Sítio do Piropo

B. Piropo

< Trilha Zero >
Volte de onde veio
27/06/2005

< Uma questão de interface >


Dia desses consegui, graças a um amigo, pôr as mãos em um livro que há muito queria ler. Chama-se “Impérios acidentais”. O autor, Robert Cringely, além de profundo conhecedor dos meandros da indústria do hardware e software desde o nascedouro, tem um senso de humor peculiar. Trata-se de um dos poucos livros sobre informática imune à ação do tempo: embora escrito em 1992, permanece como leitura obrigatória para quem quer que pretenda entender esta indústria.

O livro é saboroso. Lembrei-me dele agora devido a um ponto interessante abordado por Cringely em seus capítulos iniciais. Segundo ele, novas tecnologias levam cerca de trinta anos para serem absorvidas pela sociedade. A imprensa, por exemplo, depois que Gutemberg a inventou no século XV, levou três décadas para produzir livros. E o telefone, inventado em 1870, apenas passou a fazer parte integrante de nossos lares (pelo menos dos deles, nos EUA) em 1900. E, citando nominalmente: “a televisão, inventada em meados da década de 1920, demorou até a década de 1950 para nos manter presos ao sofá”.

Desenvolvendo o conceito, Cringely situa o nascimento do PC em algum ponto entre 1971 (invenção do microprocessador) e 1975 (advento do Altair, o primeiro computador pessoal). Em1992 ele estava justamente na metade daquele período de trinta anos ao final do qual, segundo suas próprias palavras, os PCs fariam parte “do dia-a-dia da maioria da população”. Pois bem: estamos hoje justamente no final do tal período. E, embora os computadores pessoais tenham se disseminado extraordinariamente nessas três décadas, ainda estão longe de “fazer parte do dia-a-dia da maioria da população”.

Por que este retardo? Provavelmente por uma soma de razões. Mas eu não tenho dúvida que a interface com o usuário é uma das mais proeminentes. Enquanto o principal meio de interação do usuário com o computador for o teclado, dificilmente ele entrará no “dia-a-dia da maioria da população”.

Por acaso, interface com o usuário é o tema de um vídeo de Dan Farber, editor chefe da ZDNet, encontrado em < http://news.zdnet.com/2036-2_22-5730862.html > (infelizmente apenas em inglês). Nele você verá Farber lembrar que o primeiro dispositivo usado pelo homem para interagir com o PC foi a “tela verde com texto”, a velha interface de caracteres dos tempos dos terminais burros dos computadores de grande porte. Só no final dos anos setenta, no legendário PARC (Palo Alto Research Center) da Xerox, foi concebido um novo paradigma que usava pela primeira vez o mouse. Era uma interface na qual se podia “navegar” na tela entre janelas e ícones que representavam objetos como programas e documentos. E que serviu de base para a interface do MacIntosh lançado em 1984. Pois bem: hoje, mais de vinte anos mais tarde, usamos essencialmente o mesmo tipo de interface apoiada no mouse, ícones e janelas. Ou seja: em termos de interface com o usuário, a evolução foi pífia.

Dan Farber afirma que é preciso evoluir. Um primeiro passo seria a adoção de uma interface por reconhecimento de voz, na qual o teclado seria substituído por um microfone. Segundo Farber, essa tecnologia já existe mas ainda deixa muito a desejar. Para ser eficaz é preciso que o computador interprete um fluxo contínuo de comandos em vez de palavras destacadas. E ele espera que isso ocorra nos próximos 25 anos.

Mas há outras possibilidades. Como por exemplo a interpretação de gestos. O usuário permaneceria diante de uma tela de grandes dimensões, com janelas, objetos e documentos como as que usamos hoje, e seria “observado” por uma câmara de vídeo que acompanharia e interpretaria seus gestos, inclusive a direção do olhar. Assim, seria possível selecionar um objeto apenas olhando para ele e abrir um documento apontando para seu ícone e “arrastando-o” com o dedo para a janela do programa. Isso, somado a um reconhecimento de voz mais eficiente, seria um imenso progresso.

Finalmente, o passo seguinte seria uma interface semelhante a essa, porém tridimensional. Segundo Farber, parecida com os ambientes de realidade virtual hoje utilizados para jogos, porém usada para interagir com o computador em um local de trabalho.

Vale a pena ver o vídeo. E sonhar com o tempo em que qualquer pessoa, com pouco ou nenhum treinamento, possa se postar em frente a um computador e exercer uma atividade produtiva interagindo com ele através de voz e gestos.

Então, sim, o computador poderá fazer parte do dia-a-dia da maioria da população.

B. Piropo