Escritos
B. Piropo
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06/01/1992

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Precisa conhecer o Bernardino. Gente finíssima. O tipo a calhar para ocupar aquelas vagas dos anúncios antigos oferecidas a "cavalheiro de fino trato". Acresce que, além de ser um gentleman, tem o Bernardino muitas outras qualidades. Dentre as quais ressaltam ser um amigo e tanto, ter um proverbial bom humor e ser um excelente programador. Dos melhores.

Bernardino trabalha em uma grande empresa do ramo. Como todo programador que se preza, passa horas diante de um micro. Nem todas trabalhando, que ninguém é de ferro. Eu mesmo suspeito que boa parte delas pensando besteira. Numa destas, ao tentar acessar um disco qualquer no drive A, por uma razão ou por outra pintou a tenebrosa mensagem:

General failure reading drive A

Abort, Retry, Fail?

Horripilante. Na linguagem cifrada do DOS, que me parece feita para lançar o terror nas almas incautas, significa que por alguma razão o sistema não conseguiu acessar o drive e lhe dá três opções, cada uma pior que a outra: tentar de novo, o que em geral de nada adianta, abortar o comando, o que adianta muito pouco, ou desistir dele de vez e mudar o drive corrente para um mais acessível. As vezes, não há razão para se preocupar: o disco pode, simplesmente, não estar formatado. Outras o caso é grave. Por vezes, muito grave mesmo. Se a letra do drive for a de um disco rígido, é aterrorizante. Alguns se apavorariam. Outros se preocupariam. Mas não o Bernardino: com milhares de horas de vôo pilotando um micro, nem ao menos perturbou-se. Olhou pachorrentamente para a mensagem, matutou um pouco, teclou "F" de Fail, respondeu ao novo prompt "Current drive no longer valid" com um singelo "C" para retornar à segurança e normalidade do drive C e lascou um Shift+PrintScreen. Lá se foi a cópia da tela com mensagem e tudo para a impressora.

Depois, levantou-se, tomou um cafezinho, matutou mais um bocado e afinal, como quem não quer nada, passou para o micro do colega ao lado que não estava no momento "mas deve estar na casa, que o casaco dele está na cadeira". Ligou a máquina, carregou o Autoexec.Bat no editor de programas, consultou a folha impressa e calmamente editou o prompt. Lascou lá:

prompt General failure reading drive C$_Abort, Retry, Fail

Tudo isto em uma única linha, naturalmente. Aquele "_" (sublinha) depois do cifrão serve apenas para fazer o prompt mudar de linha na tela.

Em seguida salvou o novo Autoexec.Bat. Ainda no editor de programas e sem digitar absolutamente coisa alguma, salvou um arquivo vazio no diretório raiz do pobre colega com o nome de A.Bat. Depois repetiu o procedimento ainda duas vezes, mudando só o nome dos arquivos: R.Bat e F.Bat.

Perceberam o caráter maquiavélico do rapaz? O indivíduo tinha acabado de modificar o prompt do micro do vizinho para aquela mensagem infame e assustadora. E não contente com isto, gravou três arquivos de comandos chamados por "A", "R" e "F" que não faziam absolutamente nada, exceto voltar ao prompt.

Desligou o micro do colega e com a alma surpreendentemente em paz retornou pachorrentamente para o seu. E lá ficou de tocaia. Parece até que, desta vez, trabalhando mesmo: nada como uma boa molecagem para aguçar a criatividade de um programador.

A páginas tantas chega a vítima. Puxa o habitual papo de quem não tá a fim de nada, trança daqui, trança dali e não obtendo grandes ressonâncias do Bernardino, nesta altura estranhamente absorvido no trabalho, liga a máquina. As mensagens habituais do boot pipocam, entram os drivers e residentes e de repente, não mais que de repente, explode na tela a tenebrosa mensagem: General failure reading drive C, etc... E o Bernardino espiando com o rabo do olho.

Drive C! Mas logo o C! Justo o disco rígido, prenhe de dados irrecuperáveis! E, deus meu, logo na semana que não deu tempo pra fazer o backup por causa daquela gata de sexta à noite! Um calafrio gelou a alma do mancebo, que com um tênue fio de esperança resolveu tentar de novo: lascou o "R" de Retry e nada... Engraçado, pensou, não precisa de ENTER nesta resposta, por que nada aconteceu? E num ato reflexo lá se foi o ENTER. E veio a mensagem de novo. Será que dá para mudar de drive e de lá tentar acessar o C? Lascou um "F" de Fail, desta vez, seguido logo do ENTER. Lá veio ela de novo. Talvez abortando? "A" e ENTER: não adiantou. Se deus ajudar, quem sabe com novo boot? Não ajudou.

Com a alma gelada, já prevendo a catástrofe, chamou a manutenção. E o Bernardino espiando com o rabo do olho. Chegou o técnico. Deu boot: nada. Abortou, Retraiou e Failou: niente. Abriu o micro, checou os cabos: rien. Deu boot de disquete, e o drive C estava lá, intocado: menos mal, pensou, os dados estavam salvos. Rodou um diagnóstico, um anti-virus e testou drive, controladora e placa mãe: em ordem. Montou tudo de novo e deu novo boot do disco rígido: a mensagem de novo, renitente. E o Bernardino espiando com o rabo do olho.

Juntou gente. Palpites. Mais diagnósticos. Chegaram os gurús e os entendidos. Junta médica. E a maldita mensagem na tela, irremovível, resistindo a tudo e a todos. Só reformatando o drive, concordaram todos.

Ai o Bernardino se levantou. Caminhou lentamente até o micro encantado, e como quem não quer nada digitou, mesmo na frente da mensagem, um singelo DIR diante dos olhares espantados e esgares de desprezo dos entendidos. Depois, ENTER.

A lista de arquivos do drive C surgiu esplêndida, íntegra e imperturbável na tela com todos os seus subdiretórios. Ninguém entendeu nada. Bernardino voltou para seu micro e continuou trabalhando impávido.

Precisa conhecer o Bernardino...

B. Piropo