Escritos
B. Piropo
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10/02/1992

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Computadores pessoais exercem um extraordinário fascínio sobre mim. Meu primeiro micro abriu um universo fantasticamente rico de mistérios a serem deslindados, dificuldades a serem transpostas, enigmas a serem decifrados. Para surpresa de muitos, a maioria dos problemas que surgiam, ao invés de provocarem lamentações, eram saudados com alegria. Pois me proporcionavam a oportunidade de resolvê-los. E até hoje nenhum ficou sem resposta. Quando nada, somente pelo prazer de encontrar uma. O micro sempre foi para mim, principalmente, uma fonte de prazer.

Pois acontece que tenho um irmão. Que tem um micro. Micreiro esperto, pensarão vocês. E se enganarão redondamente. Trata a máquina com tamanha cerimônia que quase a chama de senhora. Liga, entra no editor de textos - do qual faz um uso intensivo - sai e desliga. Fora dele está mais perdido que cego em tiroteio. Copiar um arquivo é uma tortura. Quando ocorre algo estranho, corre ao telefone com a alma angustiada. Vocês já operaram um micro por telefone? Eu já. E muito. E não só o de meu irmão.

Burro, o cara? Ao contrário: só não digo que é uma das pessoas mais brilhantes que conheço porquê ele lê esta coluna e vai ficar de "bola cheia". Mas tem uma inteligência e percepção muito acima da média. Jamais teve dificuldade para aprender qualquer coisa. No entanto, uma impressora que não acentua é para ele uma dificuldade intransponível. Enquanto, para mim, é um interessante problema a procura de solução. Por que a diferença?

Durante algum tempo eu jamais consegui entendê-la. Não me conformava com o fato de que uma pessoa de inteligência acima da média tivesse um micro a sua disposição e o usasse como um eletrodoméstico. Tanta coisa fascinante escondida naquele gabinete, um mundo de mistérios a serem desvendados, todo um universo a ser explorado e o cara se limita a usá-lo como um mero instrumento para facilitar o seu trabalho!

Mas bastou um pouco de reflexão para perceber que provavelmente a atitude mais próxima da correta seja a dele: enquanto para mim um micro é uma fonte de prazer, para ele é apenas uma ferramenta. Eu sou um micreiro, ele um usuário. E aí está o cerne da questão: a postura diante da máquina. Uma atitude eminentemente pessoal.

Ocorre que a virtude está no meio, como sempre. Porquê um micro é mesmo uma ferramenta de trabalho, um amontoado de circuitos e chips cuja função precípua é facilitar a execução de tarefas. O mesmo projeto que me consumia há quinze anos algumas semanas de suor em cima de uma régua de cálculo, pode ser feito em uma fração deste tempo com o micro (sim, eu sou do tempo da régua de cálculo: era a única maneira de se calcular uma exponencial; ainda tenho guardada a minha, hoje um caro bibelô). E a memória justificativa laboriosamente escrita à mão em alguns dias, sai impressa a laser em poucas horas aproveitando trechos inteiros de descrições do mesmo processo já previamente elaborados. E não só mais depressa: sai melhor. Pois lançar dados em uma planilha e testar os resultados em poucos segundos acabou por levar a um grau de otimização nos projetos de engenharia nem sonhado nos tempos em que eu jogava uma divisão de quinze dígitos em uma máquina de calcular elétrica (é elétrica mesmo, a eletrônica só apareceu anos mais tarde) e ia tomar um cafezinho enquanto as engrenagens chacoalhavam até vomitar penosamente o resultado. O trabalho ficou melhor, mais rápido e mais bem apresentado. Graças ao micro. Ele é, de fato, uma fantástica ferramenta.

Mas a moeda tem duas faces: toda ferramenta, por mais simples que seja, requer destreza em seu manejo. Um micro não é exatamente uma ferramenta simples. E destreza não se adquire sem conhecimento. Por isto há que procurar um meio termo. Vá lá que ninguém precise aprender a programar em Assembly somente para editar textos ou usar um banco de dados. Mas também a atitude oposta não se justifica: para tirar melhor proveito, há que se saber algo sobre o funcionamento da ferramenta e não apenas sobre seus efeitos.

Se você é um usuário e acha que não precisa se tornar uma autoridade em informática para poder usar sua máquina eficientemente, está coberto de razão. Se você acha que o micro é uma ferramenta de trabalho e não um brinquedo caro, também. Mas isto não significa que deva se abster deliberadamente de adquirir qualquer conhecimento sobre a máquina além dos indispensáveis para operar seus aplicativos. E no seu próprio interesse: por vezes um pequeno problema, de solução relativamente simples, pode emperrar seu trabalho por horas a fio. Uma linha a mais ou a menos no seu Config.Sys ou Autoexec.Bat pode lhe poupar muito aborrecimento.

Os usuários inexperientes tendem a tratar com veneração os poucos comandos que aprenderam, termos sagrados capazes de operar milagres. Decoram e usam como se fossem palavras cabalísticas, uma reza mística. Quando algo funciona, anotam tudo e repetem com fervor quase religioso o mesmo ritual na próxima oportunidade. Grande parte desta atitude é devida aos pseudo gurús, os "amigos que entendem de informática". Todo principiante tem um. Que, lamentavelmente, para valorizar o pouco conhecimento que possuem, fazem o simples parecer complexo.

O resultado disto é que eles acabam por passar a idéia de que tudo é tão diabolicamente complicado que por mais esforço que se faça, jamais se poderá dominar o funcionamento do computador. O que é rigorosamente falso: um micro tem um comportamento absolutamente previsível. Se você lhe pediu uma coisa e ele executa outra, ou houve uma (rara) falha de hardware, ou (mais provavelmente) o pedido não foi feito corretamente. Uma análise elementar do problema usando algumas regras básicas certamente levará à solução. Se você tem habilidade suficiente para usar um computador seja lá para o que for, eu asseguro que se investir uma parcela surpreendentemente curta de seu tempo para adquirir alguns conhecimentos básicos, poderá sozinho resolver a imensa maioria dos problemas que atormentam sua vida de usuário.

Por que este papo esquisito hoje? Porquê vamos voltar, a partir da semana que vem, a destrinchar nossos arquivos de configuração, o Autoexec.Bat e o Config.Sys. E para fazê-lo é imprescindível abordar alguns aspectos técnicos da máquina. Prometo que vou fazer todo o possível para evitar quaisquer complexidades desnecessárias. Procure seguir a Trilha, mesmo que de quando em vez ela lhe parece um pouco inacessível. Pois tenho certeza que o esforço vai ser extraordinariamente compensador. E conhecimento, posso lhe assegurar, nunca é demais.

 

B. Piropo