Escritos
B. Piropo
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22/06/1992

< FALTAVA O LIVRO >


Há muitos e muitos anos, ainda quase criança, quando os anúncios dos dias dos namorados eram acompanhados por músicas que diziam "se você quer ser minha namorada tem que vir comigo, e talvez o meu caminho seja triste pra você" ao invés de "vem cá mulher, deixa de manha, que minha cobra que comer sua aranha", eu ouvi dizer que para se ter uma vida completa era necessário plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. E por alguma razão inexplicável essa frase sempre me ficou na cabeça.

Em matéria de árvore, não fiz lá grande coisa. É verdade que plantei um limoeiro no quintal de uma velha casa que tenho em Teresópolis, investindo no futuro e planejando faustosas caipirinhas. Mas, só descobri muito mais tarde, a semente era do limão errado: nasceu um pé de limão galego que jamais prestou para nada. Ele ainda lá está, o coitado, um tanto esmirradinho, espremido entre um tanque de lavar roupa e um muro, quando em vez dando a luz a uma coisa meio híbrida, meio limão, meio laranja, sem serventia alguma. Mas, afinal, é uma árvore. E posso dar, honestamente, essa parte da missão por cumprida.

Em contrapartida, da do filho me incumbi em grande estilo. Fiz um só, mas se pequei pela quantidade compensei pela qualidade. É um filho e tanto, um belo rapaz, honesto, índole excelente, brilhante, que está aí já há um quarto de século exibindo suas muitas qualidades. E demonstrando que minha competência no que toca a fazer filho é muito maior que no mister plantar árvores. O que me deixa, em termos de qualidade do produto, no mínimo em um honroso empate técnico.

Faltava o livro. Não que tivesse me esquecido dele: a idéia sempre esteve em minha cabeça, a vontade nunca me abandonou. Mas é preciso encarar de frente a realidade da vida: fazer filho e plantar árvore é muito mais fácil que escrever livro. É verdade que já escrevi muito trabalho técnico, desses que são apresentados em congressos, seminários e chatices afins. Alguns até bem alentados e que, depois de impressos e encadernados, se pareciam bastante com um livro. E apostilas, muitas apostilas. Já dei cursos em meio mundo, fui professor universitário por mais de década. As apostilas, feitas e refeitas, revistas e aumentadas, foram se juntando e são a matéria prima ideal para um livro (vocês, que me lêem aqui, jamais adivinhariam sobre que assunto). Mas esse é um livro que ainda não chegou a ser escrito.

De qualquer forma, quando olhava para minha estante e via aquele metro e meio de trabalhos técnicos e apostilas por mim escritos, tentava sempre me iludir achando que por ali havia um livro. Se tivesse que abandonar às pressas esse mundo, bem que poderia levá-los comigo: juntamente com meu filho e meu limoeiro, poderiam servir para ajustar minhas contas com a eternidade e dar os trâmites por findos. Mas sempre soube que não passavam de mera desculpa, uma tentativa um tanto canhestra de mostrar, sei lá a quem, que a tarefa foi cumprida. Pois, mesmo que conseguisse com um deles convencer a Cérbero que aquilo era um livro - afinal o bicho tem três cabeças mas deve ser meio estúpido, ou teria escolhido um afazer mais ameno - bem sabia que não passavam de trabalhos técnicos e apostilas. Livro, mesmo, nenhum. Tudo muito cheio de um linguajar pesado, distante de meu jeito de falar e escrever. E, além do mais, eram chatos. Não, no duro, mesmo, aquilo não servia. Ainda faltava o livro.

Bem, hoje já não preciso enganar a mais ninguém. Acabo de por as mãos no primeiro exemplar do primeiro livro escrito por mim. Um livro mesmo, de verdade. E, para quem passou toda uma vida achando que faltava o livro, foi uma emoção e tanto.

O livro foi editado pela Campus e se chama XTree, XTree Pro, XTreeGold. E (adivinharam, heim!) é sobre o XTree, que considero o melhor utilitário jamais feito para um PC. Bonitinho, cabe no seu bolso - se o bolso for grande. Lá estamos nós na capa: eu, o cãozinho imaginário que o Mem de Sá inventou para mim, esse cara de topete que, presumo, é meu ectoplasma. E, evidentemente, a árvore - o logotipo estilizado do XTree. Na hora, me distrai olhando a árvore e me descuidei do cachorro. E quando se junta cão e árvore, você sabe como é. Mas não foi falta de respeito, eu garanto: foi só um acidente de percurso.

Agora que ele está pronto, posso confessar: acho que esse foi o primeiro livro escrito sobre um programa do qual não se leu o manual. Não, pirata não, pelamordedeus! Explico: achei que se lesse o manual antes de terminar o livro, acabaria por me deixar influenciar e faria uma cópia mal acabada do manual. Então fiz o oposto: explorei o programa até as últimas conseqüências, usei todas as funções possíveis, escarafunchei cada opção e procurei relatar para que servem. Depois do livro dado por pronto, com o original na tela, abri o manual e o li de cabo a rabo para ver se algo havia me escapado.

O resultado foi interessante: descobri que havia muito que acrescentar. Mas não no livro: no manual. Juro. Leiam o livro e descubram que o XTree tem um bando de funções não documentadas. Que não constam do Help nem do manual. Mas estão no livro.

Eu sei - e vocês que me lêem também já descobriram - que não primo exatamente pela concisão. A prolixidade é algo que me acompanha desde a infância (o que me leva a crer que provavelmente fui um garoto muito chato). Portanto não esperem que o livro se pareça com um manual. Particularmente, não consigo descrever sem explicar. Por isso você não vai encontrar no livro apenas um conjunto de instruções passo-a-passo para executar funções. Minha intenção foi ir um pouco além e tentar ensinar a usar um programa excelente de modo que se saiba o que se está fazendo. Tomara tenha conseguido.

Pois é isso. De meu filho e minha árvore, disse das qualidades. De meu livro, não me atrevo. Pois da árvore e do filho já provei os frutos. Mas um livro deve julgar quem lê, jamais quem escreve. Daqui para a frente a coisa é com vocês. Mas posso garantir que, nesse livro, vocês encontrarão com certeza ao menos um pedaço muito bom. Excelente mesmo.

O prefácio. Que é da Cora.

B. Piropo