Escritos
B. Piropo
Anteriores:
< Trilha Zero >
Volte de onde veio
28/09/1992

< Macaco Velho... >


Antigamente, quando a mata atlântica se espraiava indomada pelo sul da Bahia, havia por lá um curioso método de caçar macacos: bastava prender uma cumbuca cheia de milho aos galhos de uma árvore. Cumbuca, para os que não sabem, é uma cabaça com um pequeno furo. Que servia para guardar água e caçar macaco: o bicho metia a mão pelo furo, pegava o milho e ficava preso. Pois o punho fechado não saia pelo buraco por onde entrava a mão em concha.

Ouvi isto, quando criança, de meu pai. Para ilustrar um provérbio de extrema sensatez: "Macaco velho não mete a mão em cumbuca". Que repetia sempre que eu enveredava por caminhos escorregadios. Se me lembrasse, como devia, dos conselhos do velho, ficaria quieto no meu canto e não me meteria a discutir máquinas e interfaces. Mas, já que puxei o assunto, o remédio é continuar. Pois quem está na chuva é para se molhar. E, talvez por isso, já esteja chovendo carta. Começando pela do Paulo Ferraz, onde esclarece jamais ter afirmado que devemos estacionar no tempo. E com razão: pois acontece que pincei apenas trechos de uma longa e agradável carta com muitas e interessantes colocações. Trechos que não refletiam integralmente a postura do Paulo em relação ao tema. Que sintetizo agora com uma frase dele mesmo: "Acho, sim, que vocês tem uma bruta responsabilidade com o mundo micreiro do Brasil: levar ou elevar nosso micreiro de um XT para um 586 ou, quem sabe, um 1086. Mas tudo no seu devido tempo, no seu devido timing".

Com o que estou de acordo. Tanto com o peso da responsabilidade quanto com o timing da coisa. Jamais me passaria pela cabeça sugerir que devemos todos jogar pela janela nossos XT e 286 - mesmo naquelas ocasiões em que eles abusam tanto da nossa paciência que a vontade é quase insopitável. O negócio não é bem este. Se a máquina nos é útil, se está prestando seus serviços e se satisfaz às nossas necessidades, não há razão alguma para abandoná-la. E, se não me fiz entender assim, agradeço ao Paulo pela oportunidade de esclarecer melhor o assunto. Mas, por outro lado, não consigo vislumbrar muitas razões para se comprar um XT atualmente. E não sou o único: tanto que os XT representaram, nos últimos 12 meses, apenas 14% do total de máquinas vendidas no mercado brasileiro. E mercado legal, pois no "paralelo" já nem se encontram mais XTs. Portanto, vou tentar esclarecer minha postura em relação ao assunto: se você já tem uma máquina que atende às suas necessidades e está satisfeito, fique com ela. Mas, se vai comprar a primeira ou trocar de máquina, não procure nada abaixo de um 386SX.

Bem, agora que saldei minha dívida moral com o Paulo Ferraz, vamos a um ponto um tanto mais delicado. Levantado, aliás muito oportunamente, pelo PC. Não aquele. O Barreto. Que escreve: "Não entendo porque B. Piropo não deixa aos compradores de computadores domésticos nenhuma outra alternativa senão, no mínimo, um 386SX. É muito estranho que o articulista só tenha olhos para o PC, ignorando o Amiga, o MSX TurboR, o Macintosh e o Atari ST".

Está certo o PC (o Barreto). Falha do articulista. Por não explicitar que se restringia aos PC. Pois acontece que, após se despedir de seu velho MSX, o articulista jamais usou outro micro que não PC. O que não quer dizer que eles não sejam bons. Ou maus. Ou regulares, sabe-se lá. Mas simplesmente que não os conhece o suficiente para deitar falação sobre eles. Pois o PC, seus clones, divisões, subdivisões, extensões e variações, o têm atendido tão bem que jamais sentiu necessidade de recorrer a outra máquina.

Daí o articulista só ter olhos para o PC. E nada vê de estranho nisto. Pois se vive mergulhado em um PC, só usa PC, só trabalha com PC, só tem experiência com PC - e está satisfeito - acha perfeitamente natural. Errou o articulista, e nisto tem razão o PC (o Barreto), quando não esclareceu que se referia apenas à linha PC, presumindo que todos conheciam suas limitações. Então, vamos reformular aquela frase lá de cima, a síntese do pensamento vivo de B. Piropo. Fica assim: "se você já tem uma máquina da linha PC que atende às suas necessidades e está satisfeito, fique com ela. Mas, se vai comprar a primeira ou trocar de máquina, e pretende se manter na linha PC, não procure nada abaixo de um 386SX".

Fica, então, esclarecido: concordo com o PC (o Barreto) quando afirma que outras máquinas podem ser igualmente adequadas. Particularmente o Mac, que acho excelente. E meu amigo Luiz Moraes me mostrou uma Amiga que me deixou babando. Mas acontece...

Acontece que o PC (o Barreto) segue dizendo: "Isto se refere à tecnologia de ponta. Afinal, quem disse que os sistemas de 8 bits estão extintos? No Primeiro Mundo os XTs só tomaram o lugar dos 8 bits quando estes atingiram o limite de sua potencialidade. Mesmo assim, em todo o mundo, esses computadores ainda são muito populares e suficientes para a maioria dos pequenos micreiros".

Bem, já neste ponto não posso dizer que concordo com o PC (o Barreto). No primeiro mundo os micros de 8 bits desapareceram tão logo os preços dos XT se tornaram acessíveis, não quando esgotaram suas potencialidades. E não faço a menor idéia de onde eles ainda sejam tão populares: há cinco anos procurei um MSX na seção de informática de uma loja do Japão e não achei. Mas encontrei multidões deles quando fui delicadamente encaminhado à seção de jogos eletrônicos. Portanto, Amigas, Macs e congêneres, tudo bem. Mas máquinas de 8 bits, meu caro PC, se alguém comprasse uma por sugestão minha, o remorso não me deixaria dormir em paz...

De qualquer forma, é importante esclarecer que, nesta Trilha, nada faço além de expor opiniões, jamais ditar regras. E opiniões de um usuário. Que procura se manter informado, gosta de investigar as entranhas da máquina, acumulou alguma experiência, é bem verdade, mas continua sendo um micreiro como outro qualquer. Não façam desta Trilha Zero um vade mecum ou o depositório da verdade universal. Nem transformem este pobre micreiro em uma autoridade. Falta, nesta alma simples, a vocação para guru.

E, sobretudo, não julguem que, como diz o PC (o Barreto), não deixo "aos compradores de micros nenhuma alternativa". Deixo sim. Minhas sugestões não passam disso mesmo: meras sugestões. Não são leis nem mandamentos. Portanto, todos continuam livres para fazer com seu dinheiro o que melhor lhes aprouver e comprar o que acharem mais conveniente. Eu mesmo tenho um amigo que, recentemente, me perguntou o que fazer com o velho 8 bits do filho, que pifou. Sugeri que usasse como peso de papel. Mas, quem sabe, se o PC estiver interessado, dou o telefone do cara...

Pronto! Não é que meti de novo minha mão na cumbuca...

B. Piropo