Escritos
B. Piropo
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15/03/1993

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Por aqui chegam cartas e cartas. Todas aportando algum tipo de prazer. A maioria com problemas, e é um prazer resolvê-los. Algumas com sugestões, e é um prazer saber que há quem se preocupe em melhorar nosso trabalho. Poucas (felizmente) com críticas, e é um prazer saber que não somos perfeitos. E algumas, com a que transcrevo hoje, que são um prazer - tout court.

Já a guardo comigo há alguns meses, sem saber exatamente o que fazer com ela. Resolvi, por fim, simplesmente transcrevê-la (quase) toda, para dividir com vocês o prazer de lê-la. Semana que vem, comento.

"Confins do Planalto Central, 08 de novembro de 1992.

Como tem passado, caríssimo Bê? Como vai o 486? Quero dizer que compro e coleciono o Caderno de Informática do Globo por sua causa, seus artigos, que me ajudam a domar melhor meu arfante 286 com ratón e uma epsonzinha esforçada. Não sou um tech freak. Tudo o que eu queria além disso era um 386/33, uma HP Laser, modem e placa de som Roland (também sou músico). Rodo o Word Perfect, Ventura, Xtree Gold - antes eu usava PC Tools, mas troquei por indicação tua - uns sharewarezinhos, Sim City, essas coisinhas. Sob DR-DOS 6.0, por motivos óbvios. (sabia que Windows 3.0 em CGA é sempre monocromático? Acho que só eu sei disso, por experiência. Deletei Windows. Não me serve para nada mesmo). Mas é que lendo o que você escreve, como você escreve, deixa a impressão de que você é um cara legal, daqueles de bater papo por horas e horas, rir e se divertir muito. Pessoas assim me agradam, sou um moleque de vinte e um que tem dezessete, gosto de gente legal.

Não te escrevi para solucionar problemas. Eu os tenho, mas quero discutir uma idéia.

Vem comigo, Bê. Imagine o mundo daqui a dez anos, quando um 486 portátil (fingertop? Quem sabe...) com placa fax-modem vai custar uns cem dólares, que é o que você gasta hoje para montar certas configurações de XT (quanto você pagou pelo seu primeiro?) e vai ser um item de consumo obrigatório para quem hoje pode dispor de, digamos, videocassete. Todo o contexto aponta para isso: barateamento do hardware e do custo por mega armazenado (flash memories! Que grande achado da natureza as flash memories!), desenvolvimento de programas e sistemas operacionais parrudos e fáceis de aprender e usar, e uma tendência geral à informatização das atividades humanas (as informatizáveis, é óbvio), junto com a extinção de um certo espectro desagradável, talvez supersticioso, que o computador ainda provoca. Em resumo, toda a população mundial com capacidade financeira razoável usando o computador do mesmo jeito que bichos esquisitos como eu e você o usam. Como um instrumento de produtividade, lazer e comunicação.

Deixa eu enfeiar um pouco a coisa. Toda essa plataforma teria placas fax-modem de alta performance. Ou seja, todos eles ligados em rede, com capacidade de comunicação peer to peer e BBS pantagruélicos. Aproveitando toda a rede telefônica mundial já disponível (deve crescer). Você acessa um amigo em Amsterdam e ele te uploadeia um arquivo post script de um livro que escreveu sobre como envenenar Windows NT 3.7 e você, em troca, manda para ele umas animações pornô feitas na Nova Zelândia, que você catou na Compuserve. Não vai mais haver diferença entre os canais oficiais e alternativos, cada um consome o que mais lhe aprouver. Quando começarem a incorporar multimídia on the fly nesses BBS, então olha o tamanho da catástrofe. O sistema econômico vai ter que ser revisto, compras internacionais pesadas via modem vão ser rotina. Delire muito. Você está no seu escritório com um cara de Burundi na linha. Você vê a cara dele digitalizada no seu monitor de 30" e escuta sua voz digitalizada pelos speakers, batendo papo através de uma janela. Trocando clips de multimídia, programas, arquivos-livro em post script. Nem vou falar em realidade virtual para você não ter pesadelos.

Mais. Tudo o que você precisa para isso se resume ao equipamento, uma tomada e um telefone. Que tal um telefone celular de longo alcance e um gerador solar? Isso cabe em uma maleta, no painel de um carro. Você pode sumir no mato, ligar o computador e o mundo está lá, no seu monitor. Bela desculpa para ir para o mato, heim? As megalópolis poderiam sofrer um baita enxugamento, as cidades pequenas não seriam mais fins de mundo. Revolução total. E daqui a dez anos.

Lógico que eu estou exagerando muito a coisa. Mais eu te escrevi para não precisar calcular sozinho o tamanho do exagero. Ligações telefônicas de longa distância são muito caras, e duvido que seja por simples atraso tecnológico (de fato ainda nem me interessei em saber). E multimídia via modem dentro de multitarefa é um delírio psicodélico. Mas eu preciso famintamente de pesquisar isso e passar as informações para a frente, disso depende inclusive minha carreira universitária (eu faço relações internacionais), de modo que a ajuda cerebral do legendário B. Piropo me pode ser vital. Faça-me saber de suas impressões a respeito, o que é provável ou não, se eu deixo a Microsoft saber que eu existo, se eu volto ou não para o PC Tools, etc, etc. Principalmente a coisa da Microsoft, que vai ... hmm... se beneficiar com essa revolução quando e se ela ocorrer. Mas você já tem material suficiente para dois anos de Trilha Zero.

Ernie C. Castro

P.S.: Faz um favor? Descola um CD-ROM, dá uma olhada na NT beta, e faz aquele artigo ressaltando os prós e contras e comparando com o OS/2. Muita gente está esperando essa reportagem. Valeu. Outra coisa que acabou de me ocorrer: a síndrome do cão atras da própria cauda pode atrapalhar o processo. Já pensou se todo brasileiro tivesse um MSX? Outra coisa a atrapalhar é a visão predominantemente mercadológica da Microsoft, que em vez de abandonar o DOS de vez, fica querendo todo o mercado e mela o avanço do OS/2. Tua vez."

 

B. Piropo