Escritos
B. Piropo
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29/03/1993

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Troquei de carro. Pensei em comprar uma Ferrari. Aliás, já há algum tempo penso em comprar uma Ferrari e namorar a Bruna Lombardi (antes, pensava em comprar uma Bugatti e namorar a Jane Fonda). Mas só deu para comprar outro Uno mesmo. Igual ao velho, porém mais fresco. E não só pelo ar refrigerado: tem também vidro elétrico, teto solar, conta giro e mais umas coisinhas. Nada de muito especial: afinal, é um carro econômico, dos mais baratos do mercado. Mas incorpora alguma tecnologia a mais para aumentar o conforto.

O velho, afinal, não era tão velho assim. Tinha só dois anos e estava em bom estado. Não dava problema: nunca entrou em uma oficina. Poderia ter ficado com ele ainda muito tempo. Entretanto, decidi-me a trocar assim mesmo.

Como? Acha que pegou o caderno errado? Não, este é mesmo o Informática, não o Carro Etc. Mas este papo, nesta coluna, tem uma razão de ser. Me lembrei disso ainda há pouco, dirigindo o carro novo. E pensando que o velho poderia me levar exatamente onde este leva. No mesmo tempo. Com a mesma segurança. E sem precisar de gastar a nota preta que me custou a troca. Mas com menos conforto. E com uma tecnologia menos atual. Que, de uma forma ou de outra, correria o risco da obsolescência dois anos mais cedo. Portanto, acho que valeu a pena trocar.

Porque me lembrei de discutir isso com vocês aqui? Ora, é muito simples. Porque continuam chegando cartas vociferando contra os conselhos que dou a quem pretende comprar um micro para não se contentar com nada abaixo de um 386. O que me leva a um inevitável questionamento: será que estes missivistas, quando trocarem de carro, comprarão a grande novidade a ser lançada brevemente no cenário automobilístico nacional, o intrépido fusca? Afinal, o fusca é o XT dos carros. Valente, econômico, manutenção simples e barata. Não dá problemas, qualquer mecânico de beira de estrada conhece e suas peças são encontradas até no botequim da esquina. Mas usa uma concepção totalmente ultrapassada, tecnologia de meio século. Moderno como rádio à válvulas, Repórter Esso, bonde taioba e mobília pé de palito. Do tempo que Virgínia Lane era Xuxa (alguém lembra?).

Desculpem voltar ao tema batido, correndo o risco de parecer repetitivo. Mas parece que não consegui transmitir a idéia básica por trás da coisa toda. Pois não se trata apenas de comparar custo com benefício: a questão é tecnológica. Um 386 é o mínimo que garante uma tecnologia que não estará obsoleta em curtíssimo prazo.

Sejamos práticos: já não mais se desenvolvem programas DOS. Não me refiro aos aplicativos em Clipper tipo "contas a pagar" e "cadastro de clientes". Para estes, ainda há mercado. E haverá ainda por algum tempo. Me refiro a programas comerciais de peso. É verdade que algumas softhouses continuam atualizando seus sucessos de venda. Mas quem cita um lançamento de programa DOS em 92? Se alguém lembrar de um, certamente será a exceção que confirma a regra. Em 92 só foram lançados programas Windows ou OS/2. E daqui para frente, serão apenas Windows, Windows NT ou OS/2. Nada que rode em XT. E, breve, nem em 286.

A raiz do problema está na CPU. O 386 é capaz de rodar no modo protegido e simular máquinas virtuais. Se você não sabe o que é isso, não se preocupe com detalhes. Basta saber que praticamente todo o programa que roda em um 486 rapidíssimo, roda em um lento 386SX. Mais devagar, evidentemente. Mas roda. Muitos deles, porém (dos atuais, certamente a maioria) não rodam em um 286. E num XT, então, nem pensar. Mas o problema é mais grave, já que não se trata apenas de programas, mas de interfaces e sistemas operacionais, que dão suporte aos programas. Se eles não rodam na máquina, nenhum de seus programas rodará.

É claro que a turma do fusca argumentará que não precisa destes sistemas operacionais. Que o DOS basta para tudo que eles necessitam. Que os programas modernos não passam de uma cornucópia de cores e ícones bonitinhos, mas em termos de funcionalidade, não ganham dos seus bons e velhos aplicativos DOS. Que WordStar, Lotus 123 e DBase é tudo que se precisa para ser feliz. E nem de dão conta que os dois primeiros já migraram para Windows (o Lotus, para Windows e OS/2) e o último jamais migrará porque, simplesmente, vai acabar.

Mas se enganam. Os novos programas e, sobretudo, as novas interfaces e sistemas operacionais, trazem benefícios que, se não imprescindíveis, são suficientemente importantes para justificar com sobras a migração para um 386. Como troca de informações entre diferentes programas. Ou multitarefa. Ou o famoso WYSIWYG, que permite visualizar na tela exatamente o resultado que será impresso - algo essencial para uma edição de textos decente. Ou a tão badalada multimidia - que, no início, eu mesmo achava que era um brinquedo de luxo, mas hoje tenho consciência que é uma ferramenta fundamental para programas educativos e de treinamento (consultar, em uma enciclopédia, o verbete "contraponto", ler a explicação e ouvir um exemplo é algo com um potencial extraordinário em termos didáticos).

Mas a coisa não se limita a isso: brevemente todos os novos programas exigirão no mínimo um 386. Os dinossauros baseados no DOS estão fadados à extinção. Logo já não serão atualizados. E pouco adiante, já não terão mais suporte técnico. Acha que não importa? Então, imagine-se desenvolvendo hoje uma planilha no Visicalc, um banco de dados no DBase II e acentuando no WordStar com Ctrl+P+H.

Pois é assim. Quando ouço alguém argumentar que tudo isso é bobagem e que um XT faz tudo o que é preciso, penso que, se tivesse cuidado dele com carinho, bem que poderia estar até hoje com meu primeiro carro. Que nunca me deixou a pé. Um primor da tecnologia alemã. Fortíssimo, seguro, simples. Um valente Opel 39...

 

B. Piropo