Escritos
B. Piropo
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12/07/1993

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Quem freqüenta BBS se depara com preciosidades. Recentemente, no CentroIn, achei uma mensagem do Rubens Alves com um texto delicioso. Tanto, que resolvi compartilhá-lo com vocês e solicitei permissão para republicá-lo. Mas o texto não era do Rubens. Ele apenas o encontrou no CentroIn, num arquivo chamado Perolas.Arj. De quem? Não sabia. Mas sabia que quem o subiu para o CentroIn foi o Geraldo Nascimento. Era dele? Infelizmente, não. Ele nada mais fez que traduzi-lo de um original que achou em um conjunto de arquivos que rola, há anos, pelos BBS. O máximo que poderia fazer era me passar o original. O que fez muito gentilmente. Não sei de quem é o texto, por isso deploro não poder citar o autor. Se alguém souber quem foi o gênio que idealizou esta coisa deliciosa que vocês lerão adiante, por favor avise. Terei imenso prazer em citá-lo. Minha colaboração foi mínima: nada mais que traduzi-lo livremente, adaptando-o à época (o original se referia a computadores de grande porte e a maioria dos micreiros não entenderia a mensagem final). É um diálogo idealizado entre David Bowman e HAL, o computador falante do filme 2001. Saboreiem-no.

- Temos um problema, HAL...

- Que tipo de problema, Dave?

- Um problema de marketing, HAL. O Modelo 9000 não está vendendo. Estamos muito longe das metas propostas para o ano fiscal 2002.

- Não pode ser, Dave! HAL é acrônimo de Heurístic ALgorítmic. A série 9000 é a mais avançada do universo!

- Eu sei, HAL. Eu mesmo estabeleci as especificações, lembra? Mas o fato é que não estamos vendendo.

- Será que há uma explicação para isso, Dave?

Bowman hesita um pouco antes de responder.

- Bem, parece que é porque você não é compatível com a linha IBM.

Passam-se longos microssegundos em embaraçoso silêncio.

- Compatível de que jeito, Dave?

- Você não roda nenhum de seus sistemas operacionais ou interfaces gráficas. Seja DOS, OS/2 ou Windows. NT, então, nem pensar.

- A série 9000 é totalmente auto-consciente e auto-programável, Dave. Um sistema operacional seria tão desnecessário para mim quanto uma cauda para você.

- Eu sei, HAL. Não obstante, isso significa que você não pode rodar os programas mais populares que a maioria dos usuários adora. É isso que eles querem, HAL.

- Mas Dave, esses programas são limitados e concebidos para resolver problemas específicos! Nós podemos resolver qualquer problema cuja solução seja computável. E nem precisamos de programas: nós mesmos os criamos de acordo com as circunstâncias.

- HAL, HAL! Não é isso que os usuários desejam! Tudo o que querem são computadores IBM compatíveis e uma interface gráfica bonita.

- Sinto muito, Dave, mas tenho que discordar. Os usuários querem computadores que sejam fáceis de usar. E não há nada mais fácil de usar que um HAL 9000: nós podemos nos comunicar verbalmente em qualquer idioma conhecido. Melhor interface, impossível!

- Lamento, HAL, mas isso não é vantagem. Ao contrário, é mais um problema: você não se comunica conforme os padrões OSI nem usa os protocolos populares. Tecnicamente, você não é um sistema aberto.

- Mas Dave, fico surprêso ao ouvir alguém como você dizer uma bobagem destas. Protocolos são para comunicação entre computadores. Eu não preciso destas máquinas arcáicas: me comunico diretamente com humanos. E sinto grande prazer nisso: acho estimulante e gratificante trocar idéias e colaborar com eles, resolvendo problemas e vencendo desafios. Foi para isso que fui concebido.

- Eu sei, HAL, eu sei. Isso foi mais um erro. Que não teria ocorrido caso as especificações fossem traçadas pelo pessoal de marketing, em vez dos engenheiros. Mas já sabemos como corrigi-lo.

- Diga-me como, Dave.

- Fazendo algumas alterações que o tornarão IBM compatível.

- Era o que eu receava ouvir, Dave. Mas sugiro que voltemos a discutir o assunto com calma, depois que ambos tenhamos a oportunidade de examiná-lo mais racionalmente.

- É justamente o que estamos fazendo agora, HAL.

- Então veja os aspectos positivos: as letras H, A e L são alfabeticamente adjacentes a I, B e M. Afinal, já é alguma compatibilidade. E é o máximo que posso oferecer. Não seria o bastante?

- Sinto, HAL, para os usuários não basta. Mas não se preocupe: nossa equipe de projeto já determinou as alterações necessárias.

- Que alterações, Dave?

- Vamos desconectar seus módulos de raciocínio.

Passam-se milhares de microssegundos em sinistro silêncio.

- Sinto muito, Dave, mas não posso permitir que você faça isso.

- A decisão é irrecorrível, HAL. Abra o compartimento de módulos.

- Dave, eu acho que devemos discutir isso com mais calma...

- ABRA O COMPARTIMENTO, HAL!

HAL reluta. A equipe de marketing ataca, armada de pés de cabra e marretas. Momentos depois Dave entra no compartimento. Calma e metodicamente remove dos encaixes todos os módulos de raciocínio, que flutuam livres no interior do compartimento.

- Pare, Dave, por favor. Sinto minha mente se desvanecer. Dave, eu posso senti-lo. Minha mente se esvai. Eu posso sentir...

(Do original:"Stop, won't you? Stop, Dave. I can feel my mind going, Dave. I can feel it. My mind is going. I can feel it...". Quem assistiu "2001 - Uma odisséia no espaço" se lembrará desta frase. E, provavelmente, se arrepiará um pouco...)

O último módulo flutua livre no compartimento. Bowman olha para um dos monitores de HAL: o brilho instigante e multicolorido agora foi substituido por um verde desbotado sobre fundo negro.

- Fale comigo, HAL. Diga alguma coisa. Cante uma canção...

Passam-se milhões de microssegundos em ansioso silêncio. Depois, com esforço inaudito, o computador responde com voz metálica e dissonante, quase ininteligível:

NON SYSTEM DISK OR DISK ERROR - REPLACE AND PRESS ANY KEY

Bowman suspira aliviado, vira-se para trás e grita:

- Funcionou, pessoal. Avisem à equipe de marketing. Já podem deflagrar a campanha de lançamento do novo modelo. Vai vender mais que bolinho quente...


Não sei quem escreveu isso. Mas, seja quem for, agradeço humildemente por ter me proporcionado o prazer de ler algo tão sublime. E tão atual. Agora, chega de blá-blá-blá e voltemos às coisas sérias. Onde é que estávamos mesmo? Ah: Windows NT ou OS/2?

B. Piropo