Escritos
B. Piropo
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20/12/1993

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Dia desses, chegando na redação, tomei ciência que me haviam mandado um programa para avaliação. O que não é raro. Raro - e suspeito - foi o desinteresse demonstrado por Cora e Cristina, mesmo depois de terem fuçado o pacote. Muito pouco alvissareiro: quando gato cheira o peixe e o põe de lado, mal sinal. Seria o programa a grossa porcaria que tão inusitado gesto fazia supor?

Bem, nem tudo são flores, pensei. Peguei o bicho, trouxe-o para casa e, na primeira noite que consegui um tempinho livre, instalei-o. Eram mais ou menos nove e meia. A instalação foi simples mas demorada e já passava das dez quando comecei a vagabundear pelo programa. Abri o tutorial e fui em frente, achando tudo muito interessante. Apesar disso, uns quinze minutos mais tarde, me sentia surpreendentemente cansado e sonolento. Olhei para o relógio e só então me dei conta que eram quase três da matina.

Quem me fez varar madrugada em quarto de hora e nem despertou cobiça em tão eméritas micreiras foi o MathCad for Windows, na recém lançada versão 4.0. Que é assim mesmo: dependendo do usuário, é totalmente desinteressante ou uma obra da mais pura arte.

E que arte! O MathCad é um programa sui generis. Não sei de nenhum outro capaz de fazer o que ele faz. Para entender, imagine um texto entremeado com cálculos. Como por exemplo a memória justificativa de um projeto de engenharia, que descreve o que vai ser calculado, calcula e explica o cálculo. Mais ou menos assim: "A parede mede 3m x 3m e será revestida com azulejos de 15 cm de lado. O número de azulejos será:"; aí o texto se interrompe e entram as equações usadas para calcular a área da parede e de cada azulejo, com seus resultados. Depois, a divisão de um pelo outro para obter o número de azulejos. E prossegue descrevendo os diversos elementos do projeto, mostrando as equações empregadas, justificando seu uso, calculando-as e mostrando os resultados.

Antes do MathCad, usava-se uma planilha para efetuar os cálculos. Cada equação correspondia a uma fórmula na planilha, que exibia os resultados em determinadas células. Depois, com um editor de textos, escrevia-se a memória justificativa. Usava-se um editor de equações para introduzi-las no texto. Mas um editor de textos não sabe resolver equações, e os resultados tinham que ser mostrados copiando seus valores da planilha. Se o usuário era esperto e usava Windows ou OS/2, transferia os valores ligando a planilha ao editor de textos via DDE e caso os dados fossem alterados na planilha, seriam automaticamente atualizados no texto. Mesmo assim, uma modificação mais drástica exigia a revisão cuidadosíssima de dois documentos: planilha e texto. Qualquer descuido era fatal: acabava-se por descrever uma coisa e mostrar o resultado de outra. Um desastre. E dava um trabalho medonho.

Pois o MathCad faz tudo isto sozinho. A melhor maneira de descrevê-lo é como um editor de textos que sabe fazer contas. E que contas! De uma simples soma a uma integral, basta escrevê-la no meio do texto e teclar o sinal de igual. Milagrosamente, o resultado surge na frente da expressão. O programa resolve qualquer equação, sistema de equações, derivadas de qualquer ordem, integrais, somatórios, produtórios, o diabo. E usando números inteiros, reais, complexos, vetores e matrizes. Faz iterações com vetores de variáveis. Traz dezenas de funções embutidas, desde as funções trigonométricas básicas até funções estatísticas avançadas, regressões lineares e transformadas de Fourier (pelamordedeus, alguém aí sabe o que é um "tensor completamente assimétrico de terceiro nível"?). Pra quem gosta, uma festa.

E pra quem não gosta, também. Aliás, principalmente pra quem não gosta e precisa usar. Porque, depois que se aprende a manejá-lo, o MathCad faz tudo parecer de uma simplicidade franciscana. Para quem edita memórias justificativas, publica trabalhos técnicos ou faz outras tantas estripulias da mesma estirpe, é uma ferramenta indispensável. Tudo é feito da forma mais direta possível: vai se editando o texto até onde deve entrar uma equação. Neste ponto, usando-se as poderosíssimas ferramentas de edição de equações do próprio MathCad, coloca-se a expressão no seu devido lugar, ou seja, no meio do texto. Tecla-se o sinal de igual, e voilá: o resultado salta na tela quase instantaneamente. Se, antes, foram definidas as unidades e agregadas às respectivas grandezas, o MathCad faz a análise dimensional da equação enquanto calcula e, se as unidades não combinam, emite uma mensagem de erro.

Gráficos, o MathCad faz todos. De qualquer função, seja embutida, seja definida pelo usuário. E de qualquer tipo, inclusive tridimensional. Basta selecionar a equação e pedir o gráfico: surge um gráfico "vazio" onde se define quem ocupa que eixo e quais os limites. Depois, ajusta-se o gráfico no tamanho e na posição que se desejar. Qualquer alteração de qualquer dado do qual o gráfico dependa faz com que ele se atualize imediatamente.

E o programa faz mais umas tantas mágicas. Por exemplo: vocês se lembram daquele pesadelo ginasiano, a fatoração de expressões algébricas? Pois o MathCad faz direto: selecione a expressão, por mais complicada que pareça, e mande fatorar. Se ela for fatorável, o resultado pula diante de seus olhos incrédulos. E não só fatora: também simplifica, expande, "quebra" em sub-expressões, avalia e explicita em função de qualquer das variáveis. Para trabalhar com expressões algébricas, MathCad é um demônio. Se eu tivesse um troço desses no ginásio, fazia chover...

O MathCad não é perfeito: poderia usar OLE diretamente ao invés de recorrer ao Object Packager para se embutir um desenho. A tela é dividida em "regiões" que, a medida que o documento se altera, tendem a se superpor e precisam ser separadas manualmente. A formatação de fontes poderia ser mais simples. E por usar algumas chamadas à API de 32 bits de Windows NT, não roda sob OS/2. Mas é um programa muito especial, desenvolvido pela MathSoft Inc americana e distribuído no Brasil pela Anacom Software, telefone (011) 458-8755. A quem agradeço, já que o MathCad não é um produto para avaliar, é um presente de natal: ainda hoje a tarde, só com três dias de prática, fuçando aqui e ali, consegui gerar um balanço de massa com o qual vinha me desavindo há meses. Sei que nem Cora nem Cristina achariam nele a menor graça. Mas ficou uma beleza: o estou admirando até agora...

B. Piropo