Escritos
B. Piropo
Anteriores:
< Trilha Zero >
Volte de onde veio
12/09/1994

< Fitas >
<
Parte 2: Cassetes e Cartuchos >


Semana passada examinamos a fita cassete como meio de armazenamento de massa. E conforme combinado, hoje vamos começar a discutir a utilização de fitas para realizar cópias de segurança - ou backup - do conteúdo de nossos discos rígidos.

Como vimos, fitas são adequadas para backup principalmente devido ao baixo custo. De fato, computando-se apenas o preço das fitas mais comuns, as QIC2120 (calma, que logo vamos entender essa designação), o custo de armazenamento por Mb é de cerca de dez centavos de dólar. E ainda pode cair para a metade se o programa de backup comprimir os dados. Mas backup é um negócio danado: a gente espera jamais precisar recorrer a ele. Porém, nessa triste eventualidade, a coisa não pode falhar. Já imaginou a situação de um pobre micreiro que, após ver seu disco rígido falecer levando para o limbo todos os seus arquivos, tenta restaurar o backup em um novo disco e descobre que não consegue recuperar os dados? É muita desgraça junta (né, Cora?). Por essa razão a tecnologia usada pelas antigas fitas cassete não foi considerada confiável para esse uso nobre. E foram feitas duas modificações básicas.

A primeira afetou a tecnologia de gravação/reprodução: ao invés de usar gravadores de audio, que exigiam a modulação/demodulação dos dados, adotaram-se drives de fita que gravam e lêem os dados nas superfícies magnéticas das fitas usando uma tecnologia semelhante à empregada nos drives de disquete. A diferença básica - e óbvia - é que os bytes não são armazenados em setores sobre uma trilha circular, mas em blocos em linha reta ao longo da fita. Em alguns casos a tecnologia tão semelhante que o drive de fita é ligado à mesma controladora do drive de disquetes.

A segunda afetou o tipo de encapsulamento da fita, ou seja, o envólucro e a forma pela qual ela se move. Você já reparou em uma fita cassete dessas usadas para audio? Ela é uma longa serpentina que se enrola em dois tambores contidos em um invólucro de plástico rígido. Ao se movimentar, desenrola-se de um tambor e enrola-se no outro. Quem faz a fita se mover é o cabrestante, um rolete de borracha situado no gravador, que comprime a fita contra outro rolete (esse em geral metálico). Para gravar ou reproduzir o som, um motor faz o cabrestante girar com velocidade constante. É o atrito do cabrestante contra a fita que faz com que ela se desloque continuamente para a frente e mantenha sua velocidade também constante. O cabrestante "puxa" a fita, desenrolando-a de um tambor. Mas não pode enrolá-la no outro: é preciso que o tambor que recebe a fita seja acionado através de seu próprio eixo por uma polia interna. Essa técnica é complicada. Parece que bastaria fazer um motor acionar o eixo do tambor que recebe a fita, dispensando o cabrestante. Mas pense: a medida que a fita se enrola sobre o tambor, o diâmetro do rolo de fita aumenta e mesmo que o motor mantenha sua velocidade de rotação constante, a velocidade linear da fita sobre a cabeça de leitura/gravação iria variar, prejudicando a qualidade da gravação.

O sistema usado pelas fitas cassete não garante a absoluta correção dos dados, já que, mesmo com toda essa complicação, permite pequenas variações de velocidade quando o cabrestante "escorrega" ligeiramente sobre a superfície da fita. Porém é aceitável para gravar e reproduzir sons. Afinal, que diferença faz se a Xuxa desafinar ligeiramente quando a velocidade da fita varia um pouquinho? Se não variasse ela desafinaria da mesma forma. Mas pode ser mortal "desafinar" durante a restauração de seu backup: um único bit errado pode deitar a perder todo um arquivo executável. Por isso foi necessário melhorar o sistema.

A melhoria foi inventada por Robert van Behren em 1971 (fitas eram então muito usadas nos computadores de grande porte: todo filme de ficção científica dos anos sessenta mostra enormes bobinas de fita sempre que aparece um computador). É uma coisa diabolicamente inteligente e um tanto difícil de descrever, mas vou tentar.

As mudanças consistiram basicamente em modificações no invólucro e na forma de movimentar a fita. O invólucro passou a se chamar cartucho (cartridge) e não mais cassete. É uma caixa plástica, geralmente transparente, com base de alumínio para dar rigidez ao conjunto. A ilustração mostra um diagrama esquemático de um cartucho visto de cima.

O método de acionamento é simplesmente genial. A fita continua se desenrolando de um tambor e se enrolando no outro. Mas esses tambores ficam inteiramente contidos no cartucho e giram livremente em torno de eixos que, ao contrário das fitas cassete, não podem ser acionados pelo lado de fora. Dentro do cartucho há uma correia de borracha presa em três roletes. Dois se situam nos cantos trazeiros do cartucho e o terceiro no centro da face frontal, onde também se localiza a cabeça de leitura/gravação. Este último rolete tem um formato diferente: ele não é um único cilindro como os outros, mas consiste em dois cilindros coaxiais solidários, de diâmetros diferentes. A correia se apoia no cilindro de menor diâmetro deste rolete e se estende até os dois roletes dos cantos da face trazeira do cartucho. Se não houvesse os tambores onde se enrola a fita, a correia assumiria a forma de um triângulo isósceles. Como há, os dois lados iguais do triângulo são deslocados pela fita enrolada nos tambores e se deformam para dentro, forçando a correia a comprimir os dois rolos de fita dos tambores.

Quem faz tudo isso se mover é um cabrestante situado no drive. Um motor do drive gira o cabrestante, que jamais toca nem na correia nem na fita, já que encosta apenas na parte de maior diâmetro do rolete do centro da face frontal do cartucho. Quando o cabrestante gira, o atrito força esse rolete a girar, o que faz a correia se mover. Como ela está tensionada contra a fita enrolada nos dois tambores, o atrito da correia contra a face externa dos rolos de fita faz com que os tambores girem em velocidades diferentes (inversamente proporcionais aos diâmetros de cada rolo). Quando a fita passa de um tambor para outro, os diâmetros dos rolos de fita variam: o que recebe a fita cresce e o que solta a fita diminui. Isso faz com que a velocidade de rotação de cada tambor varie, mas essa variação se dá de tal forma que um "puxa" e o outro "solta" exatamente o mesmo comprimento de fita, fazendo com que ela se mova com uma velocidade linear constante e precisa.

A explicação parece complicada mas, como toda a solução genial, essa é extremamente simples e engenhosa. Eu sei que é difícil entendê-la mesmo com a ajuda do esquema, mas se você examinar um cartucho de fita (cuja parte superior quase sempre é de plástico transparente), depois dessa descrição perceberá perfeitamente como a coisa funciona. E vai prestar homenagens à engenhosidade de van Behren.

B. Piropo