Escritos
B. Piropo
Anteriores:
< Trilha Zero >
Volte de onde veio
13/03/1995

< Rumos da Indústria II - >
< O Engordamento do DOS >


O primeiro passo da Microsoft para a conquista do mercado do software foi dado em 1980, quando a IBM encomendou o desenvolvimento de um sistema operacional para seu primeiro PC. Como o tempo era curto, a MS comprou e adaptou um sistema operacional da Seattle Computer. O sistema chamava-se QDOS (segundo as más línguas, "Quick and Dirty Operating System") e foi rebatizado para MS-DOS. A MS pagou US$ 25 000 pelos direitos de uso e, mais tarde, US$ 50 000 adicionais pela exclusividade (Alguns anos depois a Seattle Computer processou a MS e recebeu mais um milhão de dólares por um produto que acabou dando à MS alguns bilhões de lucro). O MS-DOS sempre foi a galinha dos ovos de ouro da MS.

Mas, afinal, o que é um sistema operacional? Evitando longas e desnecessárias digressões para traçar os limites exatos do que vem a ser um sistema operacional, vamos ficar na superfície: um sistema operacional é um programa que controla o computador e presta serviços aos demais programas, como ler e gravar arquivos em disco, capturar entradas de dados pelo teclado e outros dispositivos de entrada e enviar a saída para vídeo, impressora e outros dispositivos de saída. O resto, é filigrana.

O DOS é um sistema operacional. Na verdade, o DOS sempre foi um sistema operacional. Ao contrário de Windows, que apesar da MS apregoar que o é desde a versão 3.0, só se tornou de fato um sistema operacional duas versões mais tarde, com o advento do acesso a discos e arquivos em 32 bits da versão 3.11. A importância dos sistemas operacionais para a máquina é óbvia: o micro não funciona sem um sistema operacional. Para a softhouse que o comercializa, é igualmente óbvia e pela mesma razão, já que para cada micro vendido vende-se uma cópia do sistema operacional. E calcula-se que há duzentos milhões de micros da linha PC em todo o mundo.

Mas a questão que mais nos interessa, hoje, não é exatamente o que é um sistema operacional, mas o que deve ser fornecido juntamente com um sistema operacional. Se a distinção parece pouco clara, lembre-se de como o MS-DOS evoluiu.

Quanto à você, não sei. Mas quando eu fui apresentado ao DOS, ele já era um homenzinho: estava na versão 3.2. Como sou um incorrigível colecionador de software velho, dei-me ao trabalho de procurar pelo disquete original e verificar: naqueles tempos, a era do byte lascado, o sistema operacional vinha "no osso". A versão 3.2 tinha quarenta e poucos arquivos que cabiam - sem nenhum tipo de compressão - em um único disquete de 360K. Além dos dois arquivos ocultos que constituíam o sistema operacional propriamente dito, Io.Sys e Msdos.Sys, que juntos ocupavam menos de 35K, trazia um punhado de arquivos auxiliares (os venerandos "comandos externos"), dentre os quais o Exe2bin, o Graftabl, o Debug e o Edlin. Ah, o Edlin! Se você nunca usou o Edlin, não sabe o que é felicidade (pelo menos não dá valor a ela quando, hoje, usa o Edit para editar seus arquivos de configuração). Isso, sem falar no Recover...

Resultado: as softhouses deitaram e rolaram, desenvolvendo os chamados utilitários. Não há micreiro com mais de cinco anos de estrada que desconheça o PC Tools, o XTree ou o Norton Utilities. Mas, pense bem: o que é, exatamente, um utilitário, se não um programa que supre uma deficiência do sistema operacional? Tudo bem, se você pegar a última versão do Norton, vai encontrar uma chusma de aplicativos dos mais exóticos. Mas pense nas primeiras versões do Norton ou do PC Tools: o que eram elas senão uma forma mais decente de fazer aquilo que o sistema operacional deveria fazer e não fazia - ou fazia de uma forma brutalmente complicada?

Hoje, tenho instalado em minha máquina o MS-DOS 6.22. Que, com seus quase cem arquivos, ocupa 3,2Mb de meu disco rígido (e, honestamente, nem sei todos os seus arquivos foram instalados). Sem contar os velhos Io.Sys e Msdos.Sys, que moram no diretório raiz juntamente com outros arquivos auxiliares do DOS e que, com a idade, engordaram: ocupam, agora, quase 80K, mais do dobro de seus irmãos mais velhos.

Mas a raiz da questão não está nesses dois arquivos, mas sim nos demais, os novos comandos externos. Vamos ver, superficialmente, o que eles fazem.

O Memmaker gerencia memória, carregando o DOS na memória alta e drivers e residentes na memória superior. Tarefa bravamente cumprida (e melhor) antes dele pelo Qemm da Quarterdeck. Resultado: em agosto de 94 um artigo de Jane Morrisey na PCWeek dizia: "depois de três trimestres sucessivos de queda nas vendas e prejuízos crescentes, Quarterdeck Office Systems Inc. tomou medidas drásticas para reduzir custos na esperança de voltar a ter lucros... Analistas afirmam que a Quarterdeck está nessa posição precária em virtude da erosão [das vendas] de seu principal produto, o gerenciador de memória QEMM".

Mas vamos adiante: Defrag desfragmenta discos rígidos. Edit é um editor de textos simplezinho, mas decente, para editar arquivos de configuração. Msd é um utilitário que examina a máquina e lista seus componentes, memória, vetores de interrupção e quejandas. Scandisk verifica o estado dos discos, inclusive testando a superfície magnética e corrigindo eventuais defeitos (um Chkdsk com anabolizantes). Unformat recupera um disco acidentalmente formatado. E Vsafe é um antivirus. Sem falar na dupla Interlnk e Intersrvr, que permite transferir arquivos entre dois micros via porta serial. Tarefas até então desempenhadas com engenho e arte pelos utilitários.

Resultado: a XTree Company, a do XTree, foi comprada pelo Central Point, a do PC Tools. Que, por sua vez, não agüentou o tranco e também foi comprada pela Symantec, a do Norton Utilities. Que, também por sua vez, entrou no vermelho e teve um prejuízo de onze milhões e meio de dólares em 93. Somente em 94, graças a uma séria restruturação, cortes de despesa e, principalmente, utilitários para uso em redes de computadores - setor em que a MS (ainda) não se envolveu - voltou a dar lucro.

O curioso é que a maior parte destes utilitários incluídos no MS-DOS foram "licenciados" da própria Central Point. E, citando Schulman: "ponho licenciados entre aspas porque, aparentemente, tudo o que a Central Point recebeu em troca de seu software foi a permissão da Microsoft para usar o "look and feel" do Shell do DOS (Newsbytes, 12 de junho de 1991)".

Não é por outra razão que se pode pescar, do livro "A Guerra dos Computadores", de Ferguson e Morris, essa frase: "Conforme disse um sócio de outrora: Uma sociedade com a Microsoft é como um pacto de não agressão com os nazistas. Quer apenas dizer que você é o próximo".

O que nos leva a mais um utilitário embutido no MS-DOS 6.x: o compressor de discos. Assunto da semana que vem...

B. Piropo