Escritos
B. Piropo
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20/03/1995

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Semana passada vimos que o DOS vem engordando versão após versão (a incorporação do gerenciador de memória deu-se na versão 5.0, enquanto a maior parte dos demais utilitários foi incorporada na versão 6.x). E cada vez que o MS-DOS faz mais uma gracinha, a conta é paga por uma empresa de software que, até então, vivia justamente de vender aquilo que o DOS passou a fazer de graça. Um exemplo interessante é a compressão de discos. Reino onde, até a MS decidir incorporar a compressão de discos ao seu DOS, imperava impávida a Stac Electronics com seu magnífico Stacker (havia também o DoubleDisk, da Vertisoft, e o SuperStor, da Addstor, mas nunca foram concorrentes à altura. O SuperStor acabou incorporado ao PC-DOS da IBM - sim, a IBM também tem seu DOS, tão bom ou melhor que o da MS, mas pouca gente sabe disso - e do DoubleDisk falaremos adiante).

O curioso é que, nesse caso particular, o motivo não foi, simplesmente, adicionar "algo a mais" ao MS-DOS, como os outros utilitários incorporados ao sistema. Havia uma razão maior e mais importante (ao menos para a MS): a incrível voracidade por espaço em disco de seus novos aplicativos. Citando ainda o livro de Schulman: "Uma das razões principais que levou Bill Gates a insistir com o grupo de desenvolvimento do MS-DOS para incluir compressão de disco foi que, sem ela, a Microsoft teria dificuldades em vender o devorador de discos Office. O MS-DOS 6.0 precisava da compressão de discos não apenas para competir com o DR-DOS 6.0 (que incluía compressão de discos) e não apenas para ter uma chamada bonitinha na caixa dizendo 'O meio mais fácil de dobrar a capacidade de seu disco rígido', mas também para lubrificar os esquis (ou pelo menos o disco rígido) para o Microsoft Office".

Assim, havendo decidido incorporar compressão de discos em seu sistema operacional e não estando disposta a reinventar a roda, a MS procedeu como de costume: procurou a Stac Electronics e propôs um acordo comercial. As negociações foram iniciadas e corriam muito bem, inclusive com troca de informações técnicas entre as duas empresas, até a MS revelar as bases do acordo. Como a Stac as considerou totalmente inaceitáveis, solenemente tirou seu time de campo. Durante a última Comdex Spring, em pleno frigir dos ovos da demanda judicial que o fato gerou, uma fonte da Stac revelou-me que os termos "comerciais" eram basicamente os seguintes: a Stac permitiria que a MS usasse sua tecnologia de compressão de discos no MS-DOS e, em troca, receberia apenas o direito de continuar a desenvolver os utilitários de suporte ao Stacker. Em suma: grana, mesmo, nem um níquel. A lógica da MS era que, com o Stacker incorporado ao MS-DOS, virtualmente todo micreiro necessitaria dos utilitários da Stac, que portanto venderia muito mais. Não é de surpreender que a Stac tenha desistido de um acordo comercial desse tipo.

A MS, então, seguiu adiante e acabou por incluir no MS-DOS o famigerado DblSpace, licenciado da Vertisoft, que o comercializava com o nome de DoubleDisk (desconheço os termos do acordo entre MS e Vertisoft, mas suspeito que não tenham sido especialmente generosos). A Stac, então, tomou duas providências: modificou o Stacker, de forma que também ele se aproveitasse de um artifício introduzido pela MS no MS-DOS 6.0, que permitia que a carga do driver fosse "transparente" (sem modificar os arquivos de configuração) e processou a MS, alegando violação de patentes (é bom lembrar que durante os estágios iniciais das negociações houve troca de informações técnicas entre Stac e MS).

Ainda citando Schulman: "em fevereiro de 94 um júri do tribunal distrital de Los Angeles emitiu seu veredito no caso Stac vs. Microsoft, determinando que o DblSpace da Microsoft infringiu duas patentes de compressão de discos da Stac... O júri decidiu que a Stac receberia US$ 120 milhões. A Microsoft ganhou uma segunda parte do caso, com US$ 13,6 milhões de danos, onde alegou que a engenharia reversa da Stac e o uso de sua interface de carregamento não documentada caracterizava violação de segredo comercial... Em 8 de junho de 1994 o Juiz do Distrito Federal Edward Rafeedie emitiu uma injunção permanente que ordenava à Microsoft (e à Vertisoft, cujo DoubleDisk a Microsoft licenciou para criar o DblSpace) a 'recolher, apagar ou destruir' em todo o mundo, todas as cópias do MS-DOS 6.0, MS-DOS 6.2... 'e quaisquer produtos da Microsoft que contenham a tecnologia de compressão de discos DoubleSpace contida na versão comercial do MS-DOS 6'...". Diante disso, a MS rapidamente chegou a um acordo decente com a Stac fora dos tribunais. Ainda citando Schulman, pelo acordo "a Stac desistiu de todos os danos, pagamentos e apelações e a MS concordou em pagar à Stac um milhão de dólares mensais por 43 meses e comprar US$ 39.9 milhões de ações da Stac (representando 15% do total de ações da empresa). As duas empresas assinaram um acordo de licenciamento mútuo que permite que a MS use o DblSpace... A Stac, por sua vez, agora está livre para usar a interface de carregamento não documentada. Embora a Microsoft tenha licenciado as patentes da Stac, não seus produtos, sempre há a possibilidade que futuros sistemas operacionais da Microsoft possam usar alguma coisa da tecnologia superior de compressão de discos da Stac". E talvez então os usuários do MS-DOS tenham acesso a uma compressão de discos decente...

Com tudo isso, em maio de 93 (antes, portanto, da decisão judicial e do acordo), a Stac Electronics despediu quarenta funcionários, ou 20% de sua força de trabalho. E, mesmo após o acordo, desconfio que seu futuro não é dos mais promissores.

Pois bem: até aqui, estamos vendo como, passo a passo, a MS tira do mercado seus concorrentes. Embora, segundo alega, com a melhor das intenções. Diz Schulman: "O sistema operacional está crescendo e o domínio dos aplicativos encolhendo... Mas Bill Gates nunca apresenta sua visão usando a velha estratégia de Nikita Khuschev, batendo com o salto do sapato na mesa e gritando 'Nós vamos enterrar vocês'. Ao invés disso, Gates dirá: 'Vejam o trabalho que estamos fazendo para vocês'. Aos olhos da Microsoft, a expansão do sistema operacional não obriga a contração do domínio dos aplicativos. Em vez disso, fazendo cada vez mais coisas, os sistemas operacionais da Microsoft permitirão aos desenvolvedores serem mais inovativos". Um ponto de vista bastante peculiar, considerando o efeito que tem causado na concorrência.

Mas, enfim, qual é o problema? Afinal, estamos falando de empresas que desenvolvem utilitários tipo gerenciadores de memória, otimizadores de disco, compressão em tempo real. E nós mesmos não dissemos que tudo isso deveria fazer parte do sistema operacional e tais empresas viviam de suprir essas lacunas? Portanto é natural que, na medida que o DOS evolui, esse nicho seja extinto.O que é verdade. Mas o problema é que até agora falamos apenas do MS-DOS. Nem uma palavra foi dita sobre Windows, particularmente sobre Windows 95. Nosso assunto da semana que vem...

B. Piropo