Escritos
B. Piropo
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03/04/1995

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Se você está acompanhando essa série percebeu que, ao incluir novas funções em seus sistemas operacionais, a Microsoft não está apenas aumentando as potencialidades dos produtos: está alterando o perfil do mercado de software, na medida que dele alija seus concorrentes. Schulman chega a afirmar que "A indústria de software para PC está rapidamente se reduzindo a apenas três grandes atores: Microsoft, Novell e Lotus".

A Novell, que até recentemente reinava soberana e altaneira no mercado de redes, já percebeu que a coisa está feia para seu lado. E com razão, já que a Microsoft afia as garras para penetrar em seu feudo com Windows NT, Windows for Workgroups e Windows 95. Tanto que já começou a se mexer e adquiriu a Digital Research e a Word Perfect. Sobre esta última aquisição, disse Bill Snyder em um artigo da PC Week de abril de 94: "A compra... põe em relevo tendências que estão refazendo a indústria de software... Não apenas os três grandes atores - Microsoft, Novell e Lotus - estão ainda maiores do que eram, mas dominam o cenário da produtividade nos escritórios da mesma maneira que Ford, GM e Chrysler já dominaram a indústria automobilística". A menção à indústria automobilística é pertinente: na década de 20, somente nos EUA, havia setenta e cinco fabricantes de automóveis. Hoje, em todo o mundo, há apenas um punhado deles. E parece que a indústria do software segue pela mesma trilha.

A Lotus, por sua vez, vai em frente apoiada em alguns produtos (ainda) sem concorrentes à altura, como o Notes e cc:Mail. Porque o 123, como se sabe, não vai lá muito bem das pernas. E o Lotus Suite, um pacote integrado, vende quatro vezes menos que o Office, o concorrente da Microsoft. E por falar em Office...

A Microsoft cedo percebeu que o mapa da mina apontava na direção dos aplicativos. E entrou pesado nessa área. Enquanto o DOS reinava solitário, seus esforços para fazer do Word um editor de textos popular não foram propriamente um sucesso. Mas com o advento de Windows, a coisa mudou: o Word for Windows é inquestionável e merecidamente um produto mais que bem sucedido. Assim como o Excel, a excelente planilha da MS. No campo dos bancos de dados a coisa ainda está meio indefinida, mas a MS continua apostando no Access. E juntou esses três ao Power Point e ao MS Mail, embrulhou-os para presente em um pacote único, batizou-o de Office e foi à luta.

No início, o Office era um aplicativo para Windows. Brevemente, com o lançamento de Windows 95, os papeis se inverterão e Windows será uma mera plataforma para o Office. A interface com o usuário de Windows 95 foi moldada à imagem e semelhança da interface comum aos aplicativos Office, desde o uso, para as mesmas finalidades, do botão direito do mouse (até então solenemente ignorado pela MS) até as caixas de diálogo, que terão rigorosamente a mesma aparência das usadas no Office.

Os produtos que integram o pacote não somente trabalham em conjunto como exibem um alto grau de integração com Windows. Já mencionamos os rumores que o próprio Bill Gates exigiu a inclusão da compressão de discos no DOS 6 para facilitar a venda do Office, com seu notável apetite por espaço em disco. Mas a ênfase da MS no Office não pára aí. Tome como exemplo o OLE. Sobre ele, diz Schulman: "O badaladíssimo (mas não necessariamente muito prático) Object Linking and Embedding (OLE) de Windows sempre parece surgir antes nos componentes do Microsoft Office que em qualquer aplicativo não-Microsoft. Brian Livingston... relata que MS Power Point 2.0, liberado para os consumidores em junho de 90, suportava OLE - seis meses antes da documentação sobre OLE ser liberada para os desenvolvedores. Em uma escala mais ampla, OLE parece ter sido projetado largamente para a conveniência do MS Office". E Schulman chega mesmo a mencionar rumores dando conta que os adiamentos do lançamento de Windows 95 são deliberados e têm por finalidade dar tempo à divisão de aplicativos da MS para terminar a versão do Office para Windows 95.

Toda essa ênfase no Office não é gratuita: ele é uma peça essencial na estratégia da MS. Como não é desprovido de sentido o fato de a MS incentivar cada vez mais a venda de micros com o Office pré-instalado. E é fácil entender porque: se você lembrar do que foi dito aqui sobre as novas funções incorporadas a Windows 95, logo perceberá que um usuário com uma máquina que venha com Windows 95 e Office pré-instalados provavelmente não precisará de mais nada. O micro poderá ser usado indefinidamente sem jamais instalar outro produto. Especialmente um não-Microsoft.

Em uma máquina assim, o próprio Windows pouco será além de uma plataforma para rodar o Office. Em um artigo na Computer Shopper de outubro de 94, Paul Bonner comenta: "Se você vive com um pacote integrado e seleciona aplicativos e utilitários com base na maneira pela qual eles interagem com o pacote, você não pode mais pensar em Windows como seu ambiente operacional. O pacote é seu ambiente operacional, o que significa, entre outras coisas, que tanto você quanto seus aplicativos terão que viver sob as regras do pacote, não as de Windows".

Mas o que quer Bonner dizer com "utilitários que interagem com o pacote"? Bem, recentemente a MS padronizou a linguagem de macro de todos os aplicativos do Office. E essa linguagem de macro é nada menos que o Visual Basic for Applications (um dialeto do Visual Basic), uma poderosíssima linguagem de programação capaz de desenvolver qualquer coisa - desde que totalmente integrada com o Office. Mas não é só isso: há também o Office Developers Kit (ODK), um pacote para desenvolver programas específicos para o Office. Os aplicativos desenvolvidos com essas duas poderosas ferramentas não "rodam em Windows": eles "rodam no Office"!

Ainda sobre o assunto, diz Schulman: "Um amigo, presidente de uma empresa média de software, sempre me diz que 'o Microsoft Office agora é o sistema operacional e o Visual Basic sua API'. Eu acredito que existe um forte elemento de verdade nisso..."

Se os esforços da MS para disseminar o Office resultarem (e esforços de marketing da MS raramente falham) e ela conseguir transformá-lo na plataforma básica hoje representada pelo Windows, o panorama da indústria se alterará radicalmente. Até agora, temos Windows 3.x e DOS como dois produtos separados. Brevemente, com o lançamento de Windows 95, eles se fundirão em um único produto. Se a Microsoft der um passo adiante e incorporar os aplicativos do Office ao sistema operacional (como já fez com tantos utilitários e aplicativos de uso geral), tudo, rigorosamente tudo o que você precisará para usar seu micro, será o "sistema operacional" da Microsoft.

Uma situação com curiosos desdobramentos. Que discutiremos semana que vem...

B. Piropo