Escritos
B. Piropo
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17/04/1995

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Estamos quase no fim dessa longa caminhada na qual discutimos os rumos da indústria de software, com ênfase no papel do ator principal desse drama, a Microsoft. E vimos que ela, particularmente após o lançamento de Windows 95, estará mais próxima que nunca de dominar o mercado. Segundo Schulman: "Windows 95 é um largo passo na direção do objetivo estabelecido pela Microsoft de suprir cem porcento de suas necessidades de software". Mas os planos da MS não se limitam a esse mercado. Ela pretende abrir muito mais o leque, penetrando nos mercados de entretenimento doméstico e de comércio eletrônico. Como dois fatos recentes tornaram mais do que claro: a compra da Intuit Inc. e a incorporação do "Marvel" a Windows 95.

A Intuit é a softhouse que desenvolvia o Quicken, um programa para controle de finanças pessoais. Um dos poucos campos onde as tentativas de penetração da MS foram baldados: o concorrente da MS, o MS Money, nunca chegou a ser um sucesso - embora, em um notável esforço para disseminá-lo, a MS chegasse a vendê-lo, com discos e manual, por apenas dez dólares. Como a gigante MS não conseguiu vencer a pequena Intuit, mudou de tática. Conforme disse Lawrence Fisher em outubro de 94 no New York Times: "Golias baixou as armas e sacou o talão de cheques". E sacou alto: a transação foi avaliada pelo Wall Street Journal em 1,5 bilhão de dólares.

Porque a MS desembolsaria tanto por um programa de gerenciamento de finanças pessoais tão semelhante a um produto que ela mesma já tinha? A resposta é simples e pode ser encontrada ainda no New York Times: "A transação somente faz sentido se encarada no contexto mais amplo do mercado emergente de comércio 'on line'. Os usuários do Quicken podem pagar suas contas eletronicamente e já existe um cartão de Crédito Visa Quicken que emite um extrato eletrônico mensal via disco ou modem. Enquanto a Intuit não conseguiu forjar laços mais abrangentes com os bancos mais importantes, a Microsoft tem a musculatura necessária para fazer do Quicken o padrão de fato para serviços bancários domésticos, hoje via PC e modem, amanhã via TV e sistemas a cabo. Serviços de investimentos e seguros seriam a extensão natural". O Quicken é a ponte que a MS precisava para esse mercado emergente.

Já Marvel é o codinome da Microsoft Network, cujo lançamento foi anunciado pela MS e que entrou em fase inicial de beta-teste em novembro de 94. Seus protocolos de comunicação e interface gráfica serão incorporados a Windows 95, portanto todo usuário Windows terá acesso ao serviço. Uma estratégia que, segundo Ed Bott na PC Computing de janeiro último, é semelhante à da Gilete: dar os aparelhos de barba e cobrar pelas lâminas. Porque Marvel será um híbrido entre Windows 95 e a World Wide Web, uma rede mundial de comunicações. Com a interface fornecida gratuitamente, embutida em Windows 95, o acesso será inteiramente transparente e pode-se criar ícones dos locais favoritos diretamente sobre o desktop de Windows. Um clique, tem-se acesso instantâneo a qualquer diretório, esteja ele onde estiver. Em qualquer ponto do mundo. Inicialmente o serviço estará disponível por linha discada, porém a MS planeja disponibilizá-lo futuramente via TV a cabo e ISDN. E o que se encontrará na MS Network quando ela estiver disponível comercialmente?

Tudo o que já há hoje em serviços semelhantes nos EUA, como Prodigy, Compuserve e America Online: forums, bibliotecas de programas, correio eletrônico, enfim, tudo o que há em uma grande BBS. Mas não só isso: haverá também abundantes oportunidades para compras. Na medida que as empresas colocarem seus produtos à disposição, você poderá comprar qualquer coisa 'on line', desde uma caixa de disquetes até um Rolls Royce. Todas as transações serão canalizadas através da central de dados da MS, em Bellevue. Que, evidentemente, receberá uma módica porcentagem. Agora, junte as pontas: Marvel e Quicken. Deu para entender?

Em julho de 94 Michael Meyer, repórter da Newsweek, descreve, talvez, a gênese de tudo isso em uma reunião de Bill Gates com o pessoal de desenvolvimento do Money. Diz Meyer: "Ocorreu-lhe [a Gates] que as pessoas que fazem transações bancárias em casa pagariam com cheques via software da Microsoft. A Microsoft poderia então canalizar todas essas operações através de sua nova afiliada, cobrando uma comissão de cada uma. Abruptamente, Gates esqueceu seu desapontamento com o Money. Ele capturou uma visão da 'transformação do sistema financeiro mundial'. É um 'pote de ouro', disse ele, batendo na mesa de reunião com seus punhos..."

Essa é uma atitude típica de Gates: transformar um fracasso em uma formidável oportunidade de negócios. O homem é admirável sob qualquer critério. Eu já entrevistei Bill Gates. Ele não é propriamente o Mister Simpatia, mas é uma figura notável. Tem um estilo peculiar: não deixa pergunta sem resposta, embora nem sempre a resposta tenha relação com a pergunta. Mas faz isso de forma tão incisiva que dá a impressão que foi direto ao ponto. É de uma formidável determinação e mostra tamanha segurança em relação a seus pontos de vista que não deixa dúvidas sobre a firmeza de suas convicções. Demonstra um conhecimento profundo sobre as sutilezas do mercado e sobre tudo que acontece no mundo da informática, inclusive aspectos técnicos que raros executivos dominam. E, sobretudo, é de uma agressividade impar. Nem seria de esperar o contrário: não se cria uma potência como a MS em quinze anos partindo do nada sem agressividade. Em resumo: eu não gostaria de sentar a uma mesa de negociação com Bill Gates, a não que estivéssemos do mesmo lado.

A MS é um gigante. Mas, ao contrário de empresas como a IBM, cujo processo de tomada de decisão pode ser definido como algo próximo do contorcionismo, ela depende quase exclusivamente de Bill Gates. Na verdade, a MS é Bill Gates. E Bill Gates é a MS. Seja lá o que isso for, para o bem e para o mal.

Se você é usuário de computador, é provável que, de uma forma ou de outra, em maior ou menor grau, uma decisão de Bill Gates ou uma atitude da MS irá afetar sua vida. Não há como escapar. E, a continuarem as coisas no rumo em que estão, a probabilidade que isso ocorra é cada vez maior.

Semana que vem vamos ver que conseqüências um eventual monopólio de fato da MS (ou de qualquer outra empresa) trará para o mercado da informática.

 

B. Piropo