Escritos
B. Piropo
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24/04/1995

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O DOS, sabemos todos, nunca foi nenhuma maravilha. Nem poderia ser diferente, já que foi desenvolvido as pressas, á imagem e semelhança do CPM, para uma máquina que ainda não existia. Mas vem melhorando versão a versão e, embora ainda deixe a desejar em matéria de sistema operacional, não se pode negar que progrediu um bocado. Porém, se você é um micreiro de longo curso, daqueles que usa o DOS desde a versão 3.x, com certeza concorda comigo: de todas as versões do MS-DOS, talvez a pior tenha sido a 4.x. E sem dúvida a melhor foi justamente a que a sucedeu, a 5.0 (se você prestar atenção vai reparar que a 6.x é basicamente a 5.0 com a inclusão de alguns badulaques que pouco têm a ver com o sistema operacional propriamente dito, inclusive compressão de disco em tempo real; o "miolo" do sistema é o mesmo, especialmente no que toca às funções de gerenciamento de memória, o grande avanço da 5.0). Como justificar tamanho salto qualitativo da uma versão para a seguinte?

Aqueles de boa memória hão de se lembrar que lá pelos idos do início da década de 90 havia dois DOS para micros da linha PC: o MS-DOS, da Microsoft, que todo mundo usava, e o PC-DOS, da IBM, que vinha instalado nas máquinas da IBM e alguns poucos usavam (na verdade, ainda há e continua evoluindo: a IBM acaba de lançar quase em segredo, sem nenhuma campanha publicitária, a versão 7.0 de seu PC-DOS; embora nos tempos de sistemas operacionais de 32 bits em modo protegido não se justifique grande alarde sobre uma nova versão do DOS, o PC-DOS 7.0 até que merecia alguma badalação: afinal libera mais 40K da preciosa memória abaixo de 1Mb e incorpora nada menos que o Stacker, aquele mesmo excelente compressor de discos em tempo real que comentamos aqui há poucas semanas).

Pois aqueles de ótima memória hão de se lembrar que havia ainda um terceiro DOS, o DR-DOS. Esse, quase ninguém usava. Era tão pouco conhecido que alguns se referiam a ele como "Doutor DOS", sem saber que aquele DR do início do nome não tinha conotações doutourais, mas referia-se à Digital Research, a mesma DR que tinha pertencido a Gary Kildall e era dona do CPM, o sistema operacional que a IBM havia inicialmente escolhido para sua máquina e acabou desistindo em favor do que encomendou à MS. E que, mesmo assim, decidiu desenvolver um sistema operacional para o PC - o que só foi possível graças à política da IBM que, ainda por razões ligadas à severa investigação anti-monopólio a que foi submetida nos anos 70, não fechou questão sobre o sistema operacional de suas máquinas (e me refiro aqui às fabricadas pela IBM, não aos clones que criaram o imenso mercado de micros da linha PC) e as desenvolveu de forma a aceitar sistemas operacionais de terceiros. Mas o DR-DOS sempre foi uma espécie de estranho no ninho: não era da IBM, detentora do padrão de fato dos micros da linha PC, nem da MS, a dona do DOS campeão de popularidade. E, por receio de problemas de compatibilidade, era pouco usado.

Pois bem: por estranho que possa parecer, mesmo tão pouco conhecido e ainda menos usado, o DR-DOS sempre foi o melhor dos três. E não me venham dizer que eu deveria ter afirmado isso antes de seu falecimento: se cavoucarem a velha coleção do Caderninho vocês vão encontrar um artigo meu dizendo isso mesmo há quatro ou cinco anos atrás, se bem me lembro. Que falecimento? Ah, o bicho, lamentavelmente, era tão pouco conhecido que pouca gente soube de seu recente passamento: a Novell, que comprou a DR, tentou ainda por algum tempo manter o DR-DOS vivo, mas acabou desistindo e retirou-o do mercado há menos de um ano.

Pois bem: o DR-DOS, que tanto quanto eu saiba jamais possuiu uma fatia do mercado de sistemas operacionais para micros da linha PC maior que dez ou quinze porcento (exceto, talvez, quando lançou o DR-DOS 5.0 sobre o qual voltaremos a falar), foi responsável pela mais importante inovação do DOS: o uso da memória alta.

Nos tempos em que ainda não havia Windows (para os puristas: tá bom, havia, sim, mas era Windows 2.0 e ninguém usava...) nem OS/2 (puristas, contenham-se: o OS/2 1.x, fora meia dúzia de excêntricos, também não era usado por ninguém), o grande suplício dos micreiros era o infeliz limite de 640K para programas: por mais memória que a máquina tivesse, todos os programas, inclusive drivers, residentes e o próprio DOS, que ficava cada vez mais "gordo", tinham que se enfiar nos primeiros 640K. Resultado: dependendo da configuração, era comum sobrar pouco mais de 400K para os aplicativos. E muitos, simplesmente, não cabiam em tão pouca memória.

Pois bem: numa época dessas, vem a Digital Research e, com sua inquestionável criatividade, descobre uma forma de carregar quase todo o código do DOS no primeiro segmento de memória acima de 1Mb e a incorpora ao seu DR-DOS 5.0. Isso, combinado com o uso dos chamados blocos de memória superior para drivers e residentes, foi o próprio milagre da multiplicação dos bytes. Um sucesso tão estrondoso que fez o DR-DOS 5.0 vender feito bolinho quente. E pela única vez a MS sentiu ameaçada sua liderança na venda de sistemas operacionais para a linha PC.

Resultado: a MS botou a turma para trabalhar e em questão de meses substituíu o lamentável DOS 4.x pela versão 5.0, que incorporava tudo de bom que o DR-DOS 5.0 havia trazido. Há quem diga - inclusive eu mesmo - que não fosse o DR-DOS 5.0 todos nós estaríamos ainda atolados nos cruéis meandros do MS-DOS 4.x. Em suma: o que forçou a MS a evoluir e desenvolver a melhor de todas as suas versões do DOS foi a concorrência. E a concorrência de uma sofhouse que, até então, detinha menos de dez porcento do mercado. Não fosse isso, muito provavelmente a MS estaria estagnada, usufruindo o sucesso sem concorrentes. Ruim para ela e ruim para nós.

Porque o monopólio, de fato ou de direito, é ruim para todo o mundo, inclusive para quem o detém. Voltando a citar Andrew Schulman, referindo-se ao Quicken mas em uma frase que assenta muito bem no DR-DOS 5.0: "Isso é uma bonita história de sucesso pessoal que mostra que mais alguém, além da Microsoft, ainda pode fazer dinheiro na indústria do software para PC. Infelizmente, entretanto, as mensagens mais ruidosas são as negativas:... há um competidor a menos; menos e menos empresas estão controlando o software. Não há nada de particularmente maligno no objetivo da Microsoft de controlar totalmente o mercado de software de uso geral para PC - e o acordo do Departamento de Justiça dos EUA com a Microsoft parece indicar que a Microsoft infringiu poucas leis anti-monopolistas para atingir sua posição atual - mas o monopólio da Microsoft, como qualquer outro monopólio, fará com que uma única empresa detenha o controle dos preços e fará com que a inovação genuina se desenvolva em ritmo glacial". Em suma: preços altos e estagnação em uma indústria cuja característica mais importante tem sido, justamente, a evolução vertiginosa.

E por falar em acordo da MS com o Departamento de Justiça americano...

B. Piropo