Escritos
B. Piropo
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01/05/1995

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Se vocês estão acompanhando esta longa série de colunas, lembram-se que em 1969 a IBM, acusada de violar a legislação americana antimonopolista, enfrentou uma investigação do Departamento de Justiça (DOJ, ou Department of Justice) do Governo Americano que se estendeu por treze anos. E sabem que a atual posição da MS em termos de hegemonia no mercado de software não é muito diferente daquela que a IBM detinha no mercado dos computadores de grande porte no final dos anos sessenta. Portanto, era de esperar que algo semelhante ocorresse com ela.

Pois ocorreu. Em 1991, a Comissão Federal de Comércio (FTC, ou Federal Trade Commision) iniciou uma investigação para apurar possíveis práticas comerciais injustas que, segundo alguns concorrentes, a MS estaria adotando. Dois anos mais tarde a investigação da FTC estava em um beco sem saída quando foi encampada pela Divisão Antimonopólio do DOJ, que prosseguiu com ela até encerrá-la em 15 de julho de 94 com a assinatura de um acordo ("consent decree") com a MS. Sobre o assunto, diz Andrew Schulman: "Você poderia esperar que os caça-monopolistas, de alguma forma, se opusessem ao crescente domínio da MS sobre uma indústria cada vez mas importante. Pois bem, eles apenas se opuseram ao seguinte: após o que parece ter sido uma completa, agressiva e cara investigação de quatro anos, os caça-monopolistas acabaram por ordenar que a MS pusesse termo a algumas práticas comerciais menores. Em essência, o Governo Americano deu sinal verde para a Microsoft".

O acordo, que já foi comentado aqui mesmo na Trilha Zero, resumiu-se a proibir que a MS firmasse contratos de vendas de sistemas operacionais "por CPU" (um tipo de contrato em que o fabricante paga à MS uma certa quantia por máquina vendida pelo direito de nela instalar DOS e Windows, quer os instale ou não), impedir vendas "casadas" de DOS e Windows e pouco mais que isso. Embora impondo restrições, foi considerado uma vitória da MS. Algo assim como o adolescente que espera uma surra de vara de marmelo depois de surripiar as chaves do Mercedes do pai e destrui-lo no poste da esquina e ganha apenas uma advertência e um tapinha na mão. Tanto que no dia seguinte à sua assinatura as ações da MS subiram US$ 1,87 e os analistas de mercado foram enfáticos. Rick Sherlund afirmou que com o acordo "a MS deverá dominar o mercado de software para micros de mesa pelos próximos dez anos" e Richard Shaffer proclamou que "A guerra dos mercados operacionais acabou e Microsoft é a vencedora... A Microsoft é a Standard Oil dos nossos dias" (referindo-se a um dos mais ruidosos processos antimonopólio da história americana).

Segundo Schulman, Janet Reno, a Chefe do DOJ, afirmou que "As práticas contratuais injustas da MS impossibilitaram que outras empresas competissem com chances iguais, privando os consumidores de uma escolha efetiva entre sistemas operacionais concorrentes para PCs e desacelerando a inovação". Uma declaração dura. E sua subordinada Anne Bingaman, chefe da Divisão Antimonopólio, foi ainda mais dura ao declarar: "A MS é uma história de sucesso americana, mas é indesculpável que uma empresa tente consolidar seu sucesso através de meios ilegais, como fez a MS com suas práticas contratuais". E acrescentou: "A MS usou seu poder de monopólio para cobrar um 'imposto' dos fabricantes de PC que, de outra forma, ofereceriam um sistema operacional alternativo. Com isto, inibiu a competição de sistemas operacionais concorrentes, desacelerou a inovação e limitou as escolhas dos consumidores". O curioso é que esses comentários, que aparentemente mostravam alguma insatisfação com o acordo, foram feitos após sua assinatura. Na verdade, muito curioso mesmo.

Isso porque nos EUA os acordos assinados por empresas e órgãos do Governo devem ser homologado por um juiz federal. E em 14 de fevereiro desse ano, o juiz Stanley Sporkin simplesmente rejeitou o acordo entre DOJ e MS alegando, em seu despacho: "O quadro que emerge desse processo é que ou o Governo dos EUA é incapaz de, ou simplesmente não quer, lidar efetivamente com uma ameaça potencial ao bem estar econômico desta nação". Mais ainda: se aprovasse o acordo, disse ele, "o recado seria que a Microsoft é tão poderosa que nem o mercado nem o governo são capazes de lidar com ela e com suas práticas monopolistas". Assim, o juiz Sporkin julgou que o acordo não satisfez ao interesse público e marcou uma audiência para decidir o assunto em 16 de março passado. O que, à julgar pelas declarações de Anne Bingaman e Janet Reno, viria ao encontro dos anseios do DOJ e sua Divisão Antimonopólio.

Acontece que, ao se instruir sobre o acordo, o juiz Sporkin ouviu Anne Bingaman. Segundo Edmund Andrews, do Times News Service, o juiz perguntou-lhe qual seria sua atitude se ele conseguisse persuadir a MS a aceitar algumas restrições extras, além das contidas no acordo. Anne Bingaman simplesmente retrucou que o juiz não tinha poder para isso. Incrédulo, ele insistiu: "Mas a senhora quer dizer que não concordaria com isso, mesmo que eles concordassem?". "Não", retrucou ela, "eu não concordaria".

Mas a coisa não pára aí. Quando soube da rejeição do acordo, a chefe do DOJ, Janet Reno, subiu nas tamancas. Declarou que o juiz Sporkin estava totalmente errado ("squarely wrong"), havia extrapolado sua competência, que a investigação fora completa e nada mais havia contra a MS. E, surpreendentemente, apelou contra a decisão. Ou seja: o próprio órgão federal do Governo Americano incumbido de reprimir práticas monopolistas, responsável pelas investigações contra a MS, que mesmo depois da assinatura do acordo fez declarações pesadas contra as práticas comerciais injustas e monopolistas da MS, transformou-se em seu defensor e apelou contra a decisão de um juiz federal que sugere restrições adicionais à empresa. O juiz, por sua vez, não teve alternativa senão cancelar a audiência de 16 de março enquanto a apelação não for julgada. E achou a coisa toda tão estranha que escreveu um incomum parecer de doze páginas informando porque acha que sua decisão está, sim, dentro de suas atribuições. Agora, aguardamos todos - eu, vocês, a MS, o DOJ e o juiz Sporkin - o resultado da apelação. Assim que tiver notícias, informarei a vocês.

Esta série termina aqui. A mim, me pareceu meio capenga. Creio que, para vocês, o final também tenha ficado assim um tanto anticlimático. Mas explica-se. Se vocês bem se lembram, ela começou em seis de março. Como minhas colunas, em geral, são escritas com uma semana de antecedência, a primeira da série foi escrita cerca de dez dias após a rejeição do acordo pelo juiz Sporkin e duas semanas antes da audiência de março que iria decidir a questão. Aquela que foi suspensa em virtude da apelação do DOJ. Eu sabia que a série seria longa e terminaria muito depois de meados de março, portanto contava com os resultados da histórica audiência para finalizá-la. Resultados que, sem dúvida, ditariam os rumos da indústria e justificariam o título da série.

Como vocês vêem, a apelação do DOJ surpreendeu não apenas o juiz Sporkin, mas também a mim. E muito provavelmente não fomos os únicos...

B. Piropo