Escritos
B. Piropo
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05/06/1995
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Aos que sentem minha falta na Internet: não, eu não estou verificando meu correio eletrônico por enfado ou falta de tempo. Lamento, mas o problema é outro: falta de telefone mesmo. E com o casamento cada vez mais indissolúvel da informática com as telecomunicações, ficar sem telefone é um transtorno cada vez maior: não se pode conversar, o que é ruim, e não se pode transmitir dados, o que é pior. Além de não poder atualizar meu correio eletrônico há mais de duas semanas, fico impedido de executar atividades que, embora corriqueiras, me são essenciais. Essa coluna, por exemplo, será gravada em disquete e levada na marra para a redação. Via modem era tão mais fácil...

Abastecimento de água e fornecimento de energia elétrica são serviços públicos. Eu me mudei há um par de semanas e não fiquei um único dia sem água ou eletricidade. O que, diga-se de passagem, nada tem de extraordinário: é exatamente assim que deveria ser. Afinal seria intolerável se, ao mudar-me para um bairro diferente, a empresa responsável me informasse que, infelizmente, nessa região as redes estão sobrecarregadas e não é possível atender-me. Mas poderei comprar o direito a água ou eletricidade de algum outro usuário. Nesse caso, ela me prestará o serviço mas deixará de prestá-lo ao cidadão que me vendeu o direito, que ficaria então sedento ou às escuras. Você já imaginou um absurdo desses? Pois imagine. Afinal, é exatamente isso o que acontece com os telefones, um serviço público como outro qualquer. E que, para mim, é tão essencial como água ou energia elétrica.

Pois bem: por ter consciência que, mesmo com a fortuna que gastou recentemente em publicidade para alegar o contrário, os serviços prestados pela Telerj disputam renhidamente o título de piores do mundo, ao invés de pedir transferência de meus telefones para meu novo endereço, como seria normal em qualquer cidade atendida por uma instituição decente, decidi-me a comprar uma nova linha. Que somente foi instalada duas semanas depois. E ficou muda menos de uma hora após a instalação.

Munido de paciência e fichas, mandei-me para o orelhão na calçada em frente e liguei para a Telerj para pedir o conserto. E fui protagonista de um dos diálogos mais surrealistas que já tive notícia. A coisa foi mais ou menos assim:

- Telerj, às suas ordens.

- Eu estou ligando para comunicar um defeito e solicitar o conserto. Meu telefone acabou de ser instalado e já está mudo.

- Pois não. Pode me dizer o número?

Podia sim. Tanto que disse.

- O senhor é o assinante?

- Sim senhor.

- Seu nome, por favor.

Dei meu nome.

- Lamento, mas não é esse nome que consta como assinante.

- Bem, é que eu acabei de comprar esse telefone e talvez em seus registros ainda conste o nome do assinante anterior.

- E qual o nome do assinante anterior?

- Eu não sei. Comprei de uma firma especializada em comercializar linhas telefônicas. Mas fique tranqüilo que todas as formalidades exigidas pela Telerj foram cumpridas.

- Lamento, mas sem o nome do assinante não vai ser possível atender.

- Desculpe, mas não entendi. Eu estou ligando para comunicar que há um defeito. Seja lá qual for o assinante, presumo que seja obrigação da empresa consertar, não lhe parece?

- Não senhor. Sem o nome do assinante eu não posso providenciar.

E foi então que o Grande Burocrata saiu-se com a pérola do dia:

- Senão, qualquer pessoa poderia ligar e pedir o conserto de seu telefone.

Deus meu, o que teria isso de errado? Pensei e disse:

- Mas eu não vejo nada de extraordinário nisso.

Eu não sabia, mas o que me parecia tão natural era proibido pela Grande Entidade, o Ser Superior, o Ente Supremo:

- Não adianta: a Rotina da Empresa exige o nome do assinante (grafo o nome da Entidade com iniciais maiúsculas movido pelo respeito, quase veneração, que transparecia na voz do Grande Burocrata quando O mencionava).

E foi nesse momento que cometi o erro fatal, o pior dos pecados: caí na besteira de menosprezar o Ente Supremo:

- Mas meu amigo, pouco importa qual seja a Rotina da Empresa. O fato é que um telefone instalado há menos de uma hora está mudo e precisa ser consertado.

Pra que! A voz do Grande Burocrata, que até então refletia apenas a impaciência de quem trabalha de má vontade, especialmente ao atender a um leigo na Rotina da Empresa, tornou-se subitamente agressiva, cobrindo-se de incontida fúria.

- Pois esse é o problema. O senhor não conhece a Rotina da Empresa e fica reclamando. Sem o nome do assinante não se atende.

- Mas eu já lhe disse que não sei o nome do assinante...

- Então o senhor compra um telefone e nem sabe de quem?

- Mas não estou pedindo que o senhor faça a transferência para o meu nome. Tudo o que quero é que ele funcione. Por que é preciso o nome do assinante?

- Porque assim é o certo.

- O senhor me desculpe, pode até ser o exigido, mas certo decididamente não é...

O diálogo prosseguiu nesse mesmo tom, com o Grande Burocrata cada vez mais estúpido - tanto no sentido lato quanto no estrito - e não houve como convencê-lo que seja lá qual fosse o nome do assinante, a obrigação da empresa era fazer o telefone funcionar.

Pois é isso. Ainda hoje estou sem telefone. E só não classifico o Grande Burocrata como um perfeito imbecil porque, afinal, ninguém é perfeito. Quanto à empresa, não é a toa que seu apelido nos BBS é Telerda. Acredito que esse "lerda" deva-se à lentidão de seus serviços (a transferência dos telefones do endereço antigo, para a mesma estação, foi marcada para de mais de vinte dias depois de solicitada). Mas não garanto.

E ainda tem gente a favor do monopólio dos serviços de telecomunicações...

B. Piropo