Escritos
B. Piropo
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31/07/1995
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Uma manhã de terça-feira particularmente atribulada, essa. Acordei com o peso da responsabilidade: esta coluna, que costuma ficar pronta aos domingos e nessa altura dos acontecimentos já deveria estar dormindo nas entranhas do sistema na redação, ainda não havia sequer sido iniciada. E tudo por culpa de uma gripe renitente, provavelmente fruto das freqüentes alternâncias entre o frio de São Paulo e o calor do pavilhão da Fenasoft semana passada. E pior: a maldita, que me drenou as energias e esvaziou a imaginação impedindo que a coluna fosse escrita, continua firme e forte. Aliás, é hoje a única coisa firme e forte nesse combalido organismo que vos fala.

Pois foi nesse estado de espírito que acordei. Sair de casa para trabalhar, nem pensar: faltavam-me ânimo e forças. Porém mais cedo ou mais tarde sentar-me ao micro e escrever era inevitável. E embora a razão mandasse que fosse mais cedo, a carcassa inerme implorava que fosse mais tarde. Como reunir energias para sair da cama? Nessas condições, restou-me tentar entorpecer de vez o espírito e anestesiar a consciência culpada com um pouco de televisão.

Não tenho o hábito de ver televisão pela manhã. Aliás, não tenho o hábito de ver televisão, tout court. Mas para quem se sente enfermo não há muita alternativa. Porém uma breve excursão pelo universo da TV matutina foi o bastante para que, mais que nunca, eu rendesse graças a Deus por ser, em geral, um indivíduo saudável. Por outro lado, tamanha indigência intelectual revelou-se um santo remédio: cinco minutos de TV e lá estava eu saltando lépido da cama e partindo para o micro, tentando evitar a atrofia cerebral que seguramente me acometeria no caso de exposição mais longa aos efeitos da TV matinal.

Mas cinco minutos bastaram para, no único canal onde não havia alguém pedindo dinheiro para salvar minha alma ou alguma jovem opulenta e seminua exibindo seus dotes para as criancinhas, assistir a uma entrevista sobre o assunto da moda: internet.

Peguei só um trecho, de modo que não dá para formar juizo. Mas discutia-se a "ética da internet". Que, segundo eu percebi, tinha algo a ver com a pornografia.

Eu não sei se você que no momento lê essas mal traçadas já navegou nos meandros da rede. Se não, é só uma questão de tempo: com o alarido que se alevantou sobre o assunto, todo o mundo, mais cedo ou mais tarde, um dia haverá de. Pois bem: quando acontecer, não espere sair tropeçando em mulher pelada a torto e a direito. Eu mesmo, que já rodei um bocado pela rede, jamais me deparei com nenhuma - e olhe que sou chegado. Talvez, com muita sorte, você até encontre alguma. Mas, como na vida real, há que procurar muito. E, sobretudo, saber onde procurar. Porque mulher pelada é artigo raro, que não anda dando sopa nem lá nem cá. Portanto, se sua principal razão para acessar a rede é essa, se oriente, rapaz. Melhor desistir. Sob este aspecto, uma escapadela junto às prateleiras rotuladas de "erotismo" da vídeo locadora da esquina, aquelas que geralmente ficam convenientemente escondidas no fundo da loja tão ao alcance das crianças quanto os cabeludos desvãos da internet, será muitíssimo mais produtiva. E tome tenência: a única razão de internet e pornografia andarem sempre juntas nos meios de comunicação de massa é a sobreposição de um assunto que acabou de entrar na moda a outro que jamais sairá. E assuntos da moda dão ibope.

Mas o que fez saltar da cama e me deu o mote para a coluna de hoje não foi a pornografia na internet, mas sim um comentário do entrevistador. Que, a páginas tantas, voltou-se para a câmera - e, portanto, para mim - e com ar grave, lascou: "É melhor você se preparar: hoje em dia não dá mais para viver sem computador".

No que me diz respeito, ele tem toda a razão. Não consigo nem me imaginar vivendo sem computador. Mas aí me ocorreu que, além deste pobre e enfermo escriba, provavelmente haveria mais alguns milhões de pessoas recebendo aquela mensagem. A mesma que vem sendo passada, quase subliminarmente, pelos meios de comunicação. E talvez explique as centenas de milhares de pessoas que se atropelavam nos estreitos corredores da Fenasoft.

Pessoalmente, eu acho que não há nada de errado com ela: não tenho a menor dúvida que, nas próximas décadas, dificilmente se poderá viver sem um computador. Ele permeará todas as atividades humanas, do trabalho ao lazer, facilitando a execução das tarefas complexas e acelerando as repetitivas. Portanto, um computador será, sim, indispensável para todos nós. O problema é que ele não é uma panacéia e, por si só, adianta muito pouco: é preciso saber usá-lo. E para aprender, ao contrário do que deixam transparecer os novos arautos da informática, por mais intuitivas e amigáveis que venham a ser as modernas interfaces e sistemas operacionais, há que se investir algum trabalho, tempo e dedicação. Nada que mate ninguém, é claro. Mas algo que certamente demandará algum esforço. Não é só comprar o micro e ligá-lo na tomada.

O que me traz de volta à internet, tida e havida como a chave para o conhecimento universal por força da massa de informação que colocará ao alcance de todos.

Mas cuidado! É bom não confundir informação com conhecimento. Por exemplo: eu mesmo tenho guardados em meu disco rígido um monte de arquivos baixados da internet sobre assuntos que despertaram meu interesse. Que baixei mas não tive tempo de ler. Ou seja: tive acesso á informação mas ainda não a processei e transformei em conhecimento. O que também demanda tempo, esforço e dedicação.

Ou seja: da mesma forma que o cumputador logo será uma ferramenta indispensável para a vida diária mas por si só não resolve os problemas, o acesso à informação é necessário para gerar conhecimento, mas não é suficiente.

Se fosse, todos os faxineiros de bibliotecas seriam sábios.

B. Piropo