Escritos
B. Piropo
Anteriores:
< Trilha Zero >
Volte de onde veio
27/11/1995

< EIDE e Fast ATA III: Interfaces >


Interface é uma palavra muito usada em informática. Tanto, que foi incorporada ao jargão e há quem pense que nunca existiu fora dele. Pois enganam-se. O Aurélio (o que eu uso, o livrão, que não é protegido contra cópia) diz que interface é a "superfície que separa duas fases de um sistema". Por exemplo: quando se derrama um pouco de azeite em um copo com água, a interface é aquilo que separa o azeite da água, uma superfície limitada acima pelas moléculas de azeite e abaixo pelas de água.

Este é o significado original. Dele derivaram outros, entre os quais justamente o que nos interessa e que também consta no Aurélio: "dispositivo físico ou lógico que faz a adaptação entre dois sistemas". Fiquemos, então, com este último conceito. Temos dois sistemas: o disco rígido em si mesmo, com informações armazenadas sob a forma de pontos imantados em suas superfícies magnéticas, e a placa-mãe do computador, com CPU, memória e demais circuitos que acessam aquelas informações sob a forma de bytes. O que precisamos, evidentemente, é de algo que se interponha entre estes dois sistemas e seja capaz de traduzir os pontos imantados em bytes e vice-versa, além de transmitir comandos emitidos pela CPU para o disco rígido de forma que ele os "entenda" e possa obedecê-los. Em suma: precisamos de um dispositivo físico ou lógico que faça a adaptação entre os dois sistemas. Logo, segundo o Aurélio, precisamos de uma interface. No caso, uma placa física de circuitos eletrônicos que possa ser ligada á placa-mãe (encaixando-a em um dos slots) e ao drive (através de cabos elétricos) contendo as informações lógicas para trocar dados e comandos entre os dois sistemas.

O disco rígido que equipou o XT em 1983 foi desenvolvido em 1980 pela Seagate. Era o ST-506, um trambolho do tamanho de dois drives de 5"1/4 empilhados um sobre o outro, que armazenava cinco megabytes. Por se tratar do primeiro disco rígido usado em um PC, sua interface foi desenvolvida especialmente e não fazia sentido comprá-la sem o drive ou vice-versa. Por isso não tinha nome especial: era conhecida como "a interface do drive ST-506", ou interface ST-506. Um ano depois a mesma Seagate lançou o ST-412, um disco rígido de dez megabytes. Que, alem da maior capacidade, pouco diferia de seu irmão mais velho. Por isso não foi preciso desenvolver uma nova interface para ele, já que pequenas adaptações bastaram para tornar a ST-506 capaz de controlar ambos os drives. Desde então ela se tornou conhecida por "interface ST-506/412".

Tanto o ST-506 quanto o ST-412 usavam o esquema de codificação de dados MFM. A interface desenvolvida pela Seagate para eles era mais que satisfatória para os padrões da época. E se havia uma interface que funcionava satisfatoriamente, porque desenvolver outra para os mesmos dispositivos? Por isso, quando os demais fabricantes lançaram seus discos rígidos MFM, adotaram a solução da Seagate. O que fez da ST-506/412 aquilo que conhecemos por "padrão de fato", ou seja, algo que todo o mundo usa sem que ninguém tenha se dado ao trabalho de combinar que seria oficialmente um padrão.

Como vimos semana passada, a primeira evolução dos discos rígidos para PC foi o desenvolvimento do esquema de codificação de dados RLL, com o qual ganhou-se cerca de cinqüenta porcento a mais de capacidade através da compressão dos dados (na verdade ganhou-se um pouco mais que isso, já que discos MFM tinham dezessete setores de 512 bytes por trilha enquanto discos RLL, por trabalharem com dados comprimidos que ocupavam menos espaço, podiam espremer vinte e seis setores em cada trilha; note que, por razões ligadas às características do próprio padrão, o número de setores por trilha era fixo, portanto a capacidade dos discos de mesmo padrão variava exclusivamente em função do número de faces e de trilhas por face). Mas vimos também que a única diferença entre os esquemas MFM e RLL estava na codificação de dados. Na prática isso significava que suas interfaces diferiam apenas no endec, o chip dedicado à codificar e decodificar dados. O resultado disso é que a mesma interface ST-506/412 poderia controlar tanto os drives MFM quanto os RLL, bastando usar o endec correto na placa controladora. Por isso, durante anos a ST-506/412 reinou soberana como interface primeira e única para discos rígidos. Seu reinado somente foi ameaçado na segunda metade da década de 80, com o lançamento do padrão ESDI pela Maxtor.

A questão é que a ST-506/412 era lenta. Em discos MFM transferia no máximo 625 Kbytes por segundo do drive para a memória e vice-versa. Nos discos RLL a taxa de transferência máxima subia para 940 K/s. Nos tempos do XT, cuja freqüência de operação que não chegava a 5MHz, isso não era problema. Mas na segunda metade dos anos oitenta a coisa já andava lá pela casa dos 20MHz e máquinas assim tão rápidas exigiam taxas de transferências maiores. Por isso a Maxtor desenvolveu um novo padrão, que batizou de ESDI (Enhanced Small Device Interface, ou interface melhorada para pequenos dispositivos), capaz de sustentar taxas de transferências de até 2Mb/s.

Note que ESDI era um padrão de interface, não de discos rígidos. Tanto que, ao contrário da ST-506/412 que somente controlava discos rígidos, a ESDI podia ainda controlar drives de disquetes e de fita magnética (não estranhe: fitas ainda hoje são um excelente meio de armazenar cópias de segurança, ou back-up).

Embora usando o mesmo esquema de codificação de dados MFM ou RLL, os drives ESDI eram fabricados especialmente para a interface, já que grande parte de seus circuitos de controle (inclusive o endec) ficava em uma placa de circuito impresso presa ao próprio drive, não na placa controladora como a ST-506/412. O que fazia com que fossem menos sujeito a erros e mais confiáveis (logo veremos porque).

Drives e controladoras ESDI, apesar de mais caros que os MFM ou RLL, eram tão mais rápidos e confiáveis que estavam fadados a dominar o mercado. Só não o fizeram porque no final dos anos oitenta surgiu uma novidade que liquidou com eles: o padrão ATA.

Ah, afinal fala-se de ATA nessa série...

B. Piropo