Escritos
B. Piropo
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29/04/1996
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Semana passada eu encerrei a coluna chamando este patropi de "país de ricos". Estranhou? Então veja lá: há alguns anos uma prima italiana veio visitar o ramo brasileiro da família, do qual faz parte este galho que vos escreve. Era uma jovem brilhante, uma estudante de pouco menos de vinte anos, hoje uma advogada bem sucedida. Passou seis meses cá na terra, parte no Rio, parte na Bahia e parte viajando pelo restante do país. No dia de seu embarque de volta à Europa, naquela conversa de cerca-lourenço de sala de espera de aeroporto, perguntei-lhe o que mais a havia impressionado no Brasil. Jamais esquecerei de sua resposta. Pois aquela menina de Veneza que voltava de sua primeira visita a um país tropical, depois de conhecer coisas assombrosas como o carnaval de Salvador, viajar todo o Nordeste e meia Amazônia, respondeu sem titubear ou pensar duas vezes: "o desperdício". O mesmo fenômeno que assusta qualquer europeu ou norte-americano em sua primeira visita a uma churrascaria rodízio. Somente um país de ricos pode suportar tanto desperdício.

Este não é o único sintoma. Há evidências mais gritantes. Uma passagem Rio-Buenos Aires-Rio em uma companhia aérea brasileira custa 230 dólares. Não pode custar muito mais que isto devido à concorrência das empresas aéreas internacionais cujo preço do bilhete anda mais ou menos nesta faixa. Na mesma companhia, um bilhete Rio-São Paulo-Rio, menos de um quinto da distância mas sem a mesma concorrência, custa 260 reais. É claro que isto só é possível porque os ricos brasileiros podem pagar.

Tudo isto vem a propósito de que ultimamente tenho feito com frequência ligações internacionais. E senti na própria carne - ou melhor, no próprio bolso, que segundo Delfim Neto é a parte mais sensível do corpo humano - um fenômeno cuja única explicação plausível é nossa indisfarçável riqueza. Seguinte: no horário comercial o primeiro minuto de uma ligação feita daqui para os EUA custa R$ 2,21 e os minutos subsequentes R$ 1,61 cada. Portanto, uma ligação de cinco minutos custará R$ 8,65. Já a mesma ligação entre os mesmíssimos telefones, um daqui outro de lá, se originada nos EUA, custará US$ 0,96 por minuto, inclusive o primeiro. Ou seja: ignorando a diferença entre o real e o dolar, a mesma ligação de cinco minutos custará R$ 4,80 para os nossos pobres irmãos do norte. Quer dizer: pagamos mais (no caso, 80% a mais) que os americanos. Coisa de país de ricos, naturalmente. Nós podemos pagar. Eles não. Talvez porque por lá eles andem encarando uma recessão. Ou talvez, quem sabe, porque lá existe concorrência na área das telecomunicações.

Pois bem: quando tem gente pagando mais por uma coisa que vale menos, sempre aparece alguém que descobre nisso uma oportunidade de negócio. E acabam todos levando vantagem - menos, é claro, quem está cobrando mais do que a coisa vale.

Há pouco mais de um mês recebi uma mensagem de um velho colega de BBS, o Sérgio Ianini, convidando para visitar uma home page na internet. Era a http://www.brnet.com.br/callback/callback.html. Nela, encontrei informações sobre um serviço chamado callback. Que, para quem faz ligações internacionais frequentes, é aquilo que Dona Eulina costuma chamar de "uma mão na roda". E resulta em uma economia nada desprezível.

A coisa funciona assim: quando você se associa ao sistema - pagando uma taxa, naturalmente, pois se trata de um negócio e não de caridade - fornece seu telefone no Brasil e recebe um número só seu nos EUA. Quando desejar fazer uma ligação internacional, disque para este número. E, para não ter que pagar nossa tarifa de país de ricos, nem espere atender: assim que ouvir o telefone chamar, desligue. Imediatamente depois disto o telefone de lá fará uma ligação para o seu telefone daqui do Brasil. Atenda e ouvirá uma mensagem pedindo para discar o número do telefone com o qual você deseja falar, seja nos EUA, seja em qualquer parte do mundo. Disque como se você estivesse nos EUA e aguarde a ligação se completar. A diferença é que, como a ligação foi originada nos EUA, você pagará a tarifa de lá. É claro que a cobrança não será feita em sua conta telefônica, já que sua operadora local nem tomará conhecimento das chamadas. Mas a fatura aparecerá em seu cartão de crédito.

Parece moleza demais, mas é verdade. Como é que os caras ganham dinheiro? Com a taxa de inscrição, naturalmente. Além de uma provável porcentagem da tarifa e da cobrança de um mínimo de US$ 25 mensais - mas se suas ligações custarem mais que isto, você só paga a tarifa. E o Sérgio Ianini me garantiu que a coisa é prefeitamente legal, coberta por um acordo do GATT. As más linguas dizem que as operadoras de certos países sulamericanos, não podendo impedir que as ligações originadas nos EUA fossem completadas, tentaram bloquear o sistema observando os telefones locais que ligavam frequentemente para os mesmos números nos EUA - e apenas para estes números - e impedindo que estas chamadas fossem completadas. E as mesmas linguas dizem que as operadoras americanas intervieram e melaram a tramóia.

Estou usando o sistema há mais de um mês. Funciona que é uma beleza. Nunca falhou. Dá para falar quanto quiser pagando tarifa de país pobre. Dá para passar FAX e, maravilha das maravilhas, ligar para os números 800 das empresas americanas, que não podem ser chamados diretamente do Brasil. Beleza pura.

Agora, só falta arranjar um jeito de voar para São Paulo pagando menos que para Buenos Aires...

B. Piropo