Escritos
B. Piropo
Anteriores:
< Trilha Zero >
Volte de onde veio
14/10/1996

< A Rede e Eu >


Eu sei que aquela série sobre memórias está ficando meio esquisita com tantas interrupções, mas vou precisar interrompê-la novamente. As razões, os que tiverem paciência de ler a coluna até o final logo descobrirão que são justas. Mas antes vamos discutir um assunto sobre o qual tenho evitado falar nestas mal traçadas: a internet. E tenho evitado por duas razões. A primeira é que já tem gente demais falando sobre ele - e falando muito melhor do que eu falaria. A segunda é que não gosto de falar sobre o que não entendo, e confesso que da internet entendo muito pouco.

Entendo pouco porque uso pouco. A maioria de meus acessos visa baixar mensagens de e-mail (que, por culpa de um projeto mais complexo do que parecia, já está atrasado de um mês, por conta do que ficam aqui novas desculpas aos que aguardam respostas). Raramente faço uma conexão sem um objetivo específico - em geral procurar uma determinada informação em um dos sítios de busca tipo Alta Vista ou Yahoo. Surfar sem destino, jamais. E a razão disto é que entendo que o mundo - pelo menos este pedaço do mundo onde vivemos - ainda não está pronto para a internet. E este foi o assunto de uma curiosa conversa que tive com a Cora recentemente.

Cora é uma internetófila. Eu não me considero um internetófobo, mas estou perto. Portanto o papo foi deveras instrutivo. Cora, com o entusiasmo de sempre, falava das maravilhas que a rede lhe proporciona. Dizia, entre outras coisas, como é formidável encomendar um livro selecionado, literalmente, em um catálogo de milhões de volumes, e enviá-lo de presente a um amigo em qualquer lugar do mundo acompanhado de um cartão personalizado e embrulhado no papel de sua escolha. Já eu dizia que entendo a internet sobretudo como um imenso manancial de informações. Pelo menos foi esta a idéia que me passaram com aquela história de "information highway". E para ser útil, deve fornecer a informação desejada em tempo hábil.

Por exemplo: há algum tempo eu quis citar em uma de minhas colunas uma frase que dizia algo parecido com "exageraram nas notícias sobre minha morte". Era uma frase que eu conhecia, sabia que havia sido dita ou escrita por um autor de língua inglesa, tinha uma vaga desconfiança de que era de Mark Twain (depois descobri que estava certo) mas, para citá-la, precisava saber exatamente como havia sido escrita no original e ter certeza sobre o autor. Se a information highway funcionasse como acho que deveria, eu poderia simplesmente minimizar meu editor de textos, conectar a rede, recorrer a um dispositivo de busca e encontrar frase e autor. Isto feito, copiaria a frase para o clipboard e a introduziria na coluna, seguindo bravamente adiante. Talvez isto seja possível. Mas no meu entender, se demorar mais de dez minutos, não vale a pena. Vocês, mestres da rede, tentem. Vejam em quanto tempo conseguem esta informação. Anotem o tempo gasto para fechar a conexão com seu servidor, entrar em um dispositivo de busca, realizar a busca com os dados que dispõem (para ser justo, vale usar o nome de Mark Twain, já que eu presumia que fosse ele o autor) e somem os tempos até conseguir a informação. Para vosso governo: a frase é mesmo de Mark Twain (Samuel Langhorne Clemens, 1835-1910), o original dizia "The reports of my death are greatly exaggerated" e constava de um telegrama enviado por Twain de Londres à Associated Press que, em 1897, anunciou sua morte. Os dados que você acabou de ler foram obtidos no CD-ROM Bookshelf da Microsoft e inseridos neste texto na base do "cut and paste". Toda a minha pesquisa, incluindo o tempo de pescar o CD-ROM na estante, enfiá-lo no drive, carregar o programa e executar uma busca com os termos "Mark Twain" e "death" demorou menos de cinco minutos. Comparem com vosso resultado na rede - se conseguirem alguma coisa, evidentemente.

Pois é isto. A culpa, evidentemente, não é da rede em si, mas dos meios que dispomos para acessá-la. Mesmo com modems de 33.600bps, usar a rede é um exercício de paciência. E vou poupá-los das habituais esculhambações na Telerj e Embratel. Elas atrasam ainda mais as coisas, mas mesmo sem elas, não dá para usar a rede para algo de prático enquanto não se desenvolver uma tecnologia melhor (e esqueçam o ISDN: tem que ser muito mais que isso; talvez cabo, quem sabe...)

Mas é claro que há exceções. Por exemplo: a coluna de hoje deveria ser sobre memória tipo FPM. Mas me faltava um detalhe sobre a forma de acessá-las. Resolvi procurá-lo na rede. Para contatar os sítios de pesquisas, montar a busca, selecionar e baixar os documentos (algumas buscas resultaram em mais de trezentos mil documentos), levei cerca de três horas. Resultado: não deu tempo para escrever a coluna.

Mas por favor, não me interpretem mal. Não foram as três horas gastas na pesquisa que me impediram de escrever a coluna. O problema é que terminei a busca com quase vinte documentos em meu HD, todos prenhes de informações valiosas. No total, quase 700K de dados. E, enquanto não digeri-los, não dá para continuar a série.

Portanto, desculpem mais esta interrupção. A culpa foi da internet. Mas desta vez por excesso, não por escassez...

B. Piropo