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Baixa coercitividade é fonte de corrupção
Artigo publicado no Observatório da Imprensa em 20/07/2004
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/

Alberto Dines não é um neófito em computação. Descobri isso por acaso quando soube que ele ainda tem arquivos gravados em disquetes de 5” 1/4. E só quem usou micro nos saudosos anos oitenta sabe o que é isso. A maior parte dos que se tornaram micreiros na era da Internet nunca os viu.
Soube também que mestre Dines está enfrentando dificuldades para ler esses arquivos. Não só porque não é fácil encontrar um drive de 5” 1/4 em um computador moderno como também, e principalmente, porque muitos daqueles arquivos, gravados há mais de quinze anos nos velhos disquetes de 5” 1/4, estão corrompidos.
Não, nada a ver com vampiros ou propinodutos. Arquivos, quando se corrompem, no máximo causam a perda dos dados armazenados. E jamais se corrompem por dinheiro.
Então, por que se corrompem?
A chave está na palavra “coercitividade”.
Para entender o que quer dizer isso precisamos fazer uma pequena digressão que nos levará a uma incursão ao país da física. E, lá chegando, uma rápida visita à província do magnetismo, que trata daquela estranha propriedade que têm os imãs de se atraírem ou se repelirem sem razão aparente.
Eu nem vou me dar ao trabalho de tentar explicar o porquê dessa atração ou repulsão. Limitar-me-ei a repetir alguns conceitos elementares quê, de resto, vocês já conhecem: um imã é feito de um material que apresenta propriedades magnéticas. Essas propriedades fazem com que cada imã tenha dois “pólos” situados em suas extremidades, o pólo norte e o pólo sul. Esses pólos são capazes de exercer uma força de atração ou repulsão, a chamada força magnética.
A Terra é um gigantesco imã, com seus dois pólos. Se você equilibrar um pequeno imã cuidadosamente, de tal forma que ele gire livremente em torno de um eixo vertical, verá que seu pólo sul será atraído pelo pólo Norte da Terra e permanecerá apontando para lá por mais que você movimente o imã. Foi assim que os chineses inventaram a bússola, cuja agulha nada mais é que um imã. Ela mantém sempre seu pólo sul apontado para o pólo Norte da Terra porque pólos diferentes se atraem, enquanto pólos iguais se repelem. Assim, se você justapuser dois imãs, com seus pólos iguais um ao lado do outro, notará que eles se repelirão fortemente. Se não houver nada que os prenda naquela posição, eles saltarão para longe um do outro e, em seguida, se atrairão ao revés, de forma a juntar o pólo sul de um deles ao pólo norte do outro. Eu sei que você está cansado de saber disso, mas há aí em cima um ponto fundamental que talvez, por óbvio, tenha passado em branco mas que mais adiante terá tanta importância na nossa conversa que vou repeti-lo: se você colocar dois imãs com pólos iguais um ao lado do outro e não houver nada que os prenda naquela posição, eles saltarão para longe.
Gostou de nosso passeio pela província do magnetismo? Pois então vamos atravessar uma fronteira e, ainda no país da física, visitar a província vizinha, a da eletricidade. Aquela que estuda outra curiosa propriedade: a que faz com que, quando aplicada uma diferença de potencial elétrico às duas extremidades de um condutor (por exemplo: quando encostamos as duas pontas de um fio metálico aos terminais positivo e negativo de uma bateria), os elétrons passem a se movimentar através do condutor, do terminal positivo para o negativo, formando uma corrente de elétrons. Cujo nome, naturalmente, é “corrente elétrica”. Que é usada para acender lâmpadas, movimentar motores, iluminar a tela de seu computador e fazer mais uma infinidade de gracinhas que não cabe comentar aqui.
Ocorre que a província da eletricidade é muito acidentada, portanto melhor não nos embrenharmos demais nela. Fiquemos, pois, nessa região fronteiriça com a do magnetismo, chamada de “eletromagnetismo”.
Ela foi demarcada em 1820, quando o físico dinamarquês Hans Christian Oersted reparou que a agulha magnética de uma bússola que repousava em sua bancada, por acaso próxima de um fio elétrico ligado a uma lâmpada, movia-se sempre que ele apagava ou acendia a lâmpada. Eu ou você, provavelmente, acharíamos aquilo curioso e não prestaríamos mais atenção. Mas Oersted era um cientista e quando cientistas acham que algo é curioso investigam suas causas. E acabou descobrindo que variar a intensidade de uma corrente provocava o aparecimento de um “campo magnético” em torno do condutor elétrico. Ou seja: fazia com que o condutor se comportasse como um imã – o que justificava o movimento da agulha da bússola, nada mais que um imã sendo atraído ou repelido por outro. Aquele foi o primeiro eletroímã.
Mas Oersted não ficou por aí. Levou suas pesquisas adiante e descobriu o fenômeno oposto: se ele movimentasse um imã nas proximidades de um condutor elétrico, fazendo com que o “campo magnético” do imã variasse junto ao condutor, formava-se uma corrente elétrica.
Assim nasceu o eletromagnetismo. De importante, para nós, duas noções: fazer passar uma corrente elétrica junto de um imã faz com que ele se mova, mover um imã junto de um condutor gera uma corrente elétrica.
Acha que nada disso tem a ver com os disquetes do Dines? Pois se engana. Tudo a ver. Porque é justamente o eletromagnetismo que permite gravar informações em um disquete.
A coisa funciona assim: pega-se um disco de plástico flexível (os mais recentes, com 3,5” de diâmetro protegidos por um invólucro de plástico duro, os do meu tempo e do Dines, com 5” 1/4 de diâmetro e um invólucro de plástico flexível) e aplica-se sobre sua superfície uma fina camada de material magnético. Esse “material magnético” nada mais é que uma espécie de tinta na qual existem milhões de microscópicos imãs. Como eles estão distribuídos ao acaso, com seus pólos apontando para todas as direções, os campos magnéticos de uns anularão os dos outros e se você fizer o disquete girar bem perto de um condutor elétrico nada ocorrerá. Mas se, de alguma forma, conseguirmos alinhar todos os imãs microscópicos de um ponto da superfície do disquete de modo que fiquem um ao lado do outro, com seus pólos norte apontando para o mesmo sentido, seus campos magnéticos se somarão e eles se comportarão como um pequeno imã, cujo campo magnético será suficiente para provocar uma corrente elétrica ao se mover junto ao condutor elétrico. Para multiplicar esse efeito, enrola-se o condutor elétrico em espiras paralelas, formando uma “bobina”. Isso somará as correntes elétricas geradas em cada espira pelo movimento do imã, tornando mais fácil detectar a presença da corrente – e, portanto, do ponto magnetizado na superfície do disquete.
Agora, imagine o contrário. O disco gira junto à bobina na qual você aplica pulsos elétricos (uma sucessão de correntes elétricas variáveis). A variação da intensidade da corrente elétrica pulsante gera fortes campos magnéticos em torno da bobina. Esses campos, junto da superfície magnética, exercem grandes forças magnéticas sobre os imãs microscópicos, vencendo a coesão do meio magnético, movendo os imãs situados junto à bobina e os fazendo se alinhar todos na mesma direção e sentido. Isso se chama “magnetizar” um ponto da superfície magnética.
Agora ficou fácil: se eu aplico uma corrente na bobina, magnetizo um pequeno ponto da superfície do disco porque a variação da corrente elétrica gera um campo magnético. Se eu faço um disco no qual alguns pontos foram magnetizados girar abaixo de uma bobina, cada vez que um desses pontos passar por baixo da bobina surge uma corrente elétrica no condutor que a forma, porque mover um campo magnético junto a um condutor provoca uma corrente elétrica.
Agora você já sabe como dados podem ser lidos e gravados em disquetes. Para gravar, faço o disquete girar abaixo da bobina (mais conhecida como “cabeça de leitura e gravação”) e aplico pulsos de corrente quando os pontos que desejo magnetizar passarem por baixo dela. Para ler (ou seja, detectar a presença desses pontos), faço o disco girar e pesquiso a presença de corrente elétrica na bobina: cada vez que um ponto magnético passar por baixo dela, surgirá um pulso de corrente. E como tudo que nos interessa hoje é saber como dados são lidos ou gravados, vou pular aquela parte chata da conversão de dados em bytes e bits para que o computador possa trabalhar com eles (mas se você se interessa por esses assuntos esotéricos discutidos sem apelar para tecnicismos e procurando usar uma linguagem que qualquer mortal entende, aceite o humilde convite para visitar meu sítio da Internet em <www.bpiropo.com.br> que será muito bem-vindo).
O ponto chave de tudo isso é que os imãs microscópicos não são fixos dentro da camada que forma a superfície magnética. Se o fossem, não poderiam girar e se alinhar, somando seus campos para formar um pequeno imã em cada ponto magnetizado. Mas também não estão soltos, senão voltariam à posição original. É como se estivessem suspensos em uma espécie de geléia espessa, quase sólida. Se você forçar bastante (aplicando o campo magnético), eles se moverão até se alinharem. Para que se desalinhem, é preciso aplicar uma força equivalente no sentido oposto (“apagar” o conteúdo de um disco).
Ora, imãs alinhados, lado a lado, estão com os pólos de mesmo nome encostados. E, como eu enfatizei lá no início, pólos iguais se repelem. Portanto, nossos imãs microscópicos tendem naturalmente a se desalinhar assim que cessa o efeito do campo que os alinhou.
E porque não o fazem?
Porque a força dessa repulsão é muito mais fraca que a gerada pelo campo produzido pela bobina, que alinhou os imãs. E a resistência gerada pela “geléia” que cerca os imãs microscópicos é suficiente para impedir que se separem, perdendo o alinhamento.
É essa resistência que os físicos chamam de “coercitividade” do meio magnético. Se você procurar no dicionário o significado da palavra “coercitividade” verá que se trata da característica de ser coercivo, ou de exercer coerção, coagir, reprimir. No nosso caso, trata-se de exercer uma ação coerciva sobre os imãs microscópico, dificultando seu movimento, coagindo-os a permanecerem imóveis.
Portanto, quanto maior a coercitividade, mais difícil magnetizar um ponto, pois é preciso que a bobina aplique um campo magnético muito forte para alinhar os imãs. Em contrapartida, em meios de alta coercitividade os pequenos imãs tendem a se manter alinhados por muito mais tempo, já que o meio exerce uma resistência maior à força de repulsão que tenta separar os imãs alinhados.
Os disquetes de antigamente, apesar de maiores (5”1/4 contra 3,5” dos mais recentes) tinham menor capacidade (360 KB, contra 1.440 KB dos modernos). Por que será?
Simples: há vinte anos a tecnologia de fabricação de cabeças magnéticas de leitura e gravação era menos desenvolvida e os campos magnéticos que elas geravam eram mais fracos que os gerados pelas cabeças dos drives modernos. Se eram mais fracos, a coercitividade das superfícies magnéticas dos disquetes de então havia que ser relativamente pequena, senão as fracas cabeças magnéticas não conseguiriam criar pontos magnetizados nos disquetes.
Percebeu? Discos antigos, de 5” 1/4, usavam meios magnéticos de baixa coercitividade.
Agora dá para entender porque os arquivos de mestre Dines se corromperam. Eles nada mais são que um conjunto de pequenos pontos magnéticos gravados há muitos anos em uma superfície de baixa coercitividade. Cada ponto é formado por um conjunto de pequenos imãs alinhados, com seus pólos de mesmo nome lado a lado. Imãs mantidos nesta posição, como sabemos, se repelem. A força de repulsão é pequena, insuficiente para vencer a coercitividade do meio. Mas, como sabem todos os que lutaram contra a ditadura, um imenso conjunto de pequenas forças exercidas anos a fio no mesmo sentido acabam por vencer qualquer resistência. E é isso que está ocorrendo nos disquetes do Dines: a repulsão entre os pequenos imãs que formam os pontos magnetizados de seus velhos disquetes, pequena mas exercida inexoravelmente ano após ano, está vencendo a coercitividade do meio, fazendo desaparecer alguns dos pontos magnetizados dos disquetes. Ou seja: deitando os dados a perder.
E deitar a perder artigos de mestre Dines é crime de lesa-cultura.
Portanto, se você guarda carinhosamente arquivos antigos gravados em velhos disquetes de 5” 1/4 achando que estão preservados para a eternidade, lembre-se de mestre Dines e trate de migrá-los para um meio de armazenamento mais confiável. E quanto mais depressa, melhor.
E como fazer isso?
Bem, a primeira providência é arranjar um velho drive de 5” 1/4 em bom estado e instalá-lo em um micro. Qualquer micro, mesmo um reluzente Pentium 4 ou Athlon de última geração pode receber uma velharia dessas. E a tarefa é mais fácil do que parece. Drives de 5” 1/4 em bom estado são facilmente encontráveis em casas de material usado de informática e custam uma bagatela. Instalar é mais fácil ainda: basta encaixá-lo em um conector no mesmo cabo que liga o drive de disquete de 3,5 à placa-mãe de seu computador (com o micro desligado, naturalmente). O mais difícil há de ser encontrar um cabo com dois conectores, um deles para drive de 3,5”, outro para drive de 5” 1/4 (sim, os conectores são diferentes) mas isso também se resolve na mesma casa onde se comprou o drive. Deixe o drive de 3,5” na ponta do cabo e ligue o novo (quer dizer, velho) drive de 5” 1/4 ao conector do meio do cabo. E, feita a conexão, basta religar o micro. O novo drive é identificado e aparece como drive “B” (e agora você já sabe porque as letras – ou “designadores” – de seus discos saltam de A para C: o “B” fica reservado para um segundo drive de disquete).
Agora, é tentar recuperar os arquivos. Comece com uma oração a Santo Antonio, o que ajuda a recuperar coisas perdidas (os incréus podem partir direto para a ação). Depois, coloque o primeiro disquete de 5” 1/4 no drive e tente exibir seu conteúdo abrindo o Windows Explorer clicando no ícone correspondente ao drive B do painel esquerdo. Se você tiver sorte, aparecerá uma lista de arquivos no painel direito. Mas ainda não respire aliviado: isso apenas indica que o “diretório” do disquete (a lista do conteúdo do disquete, gravada em suas trilhas iniciais) não foi corrompido. Para testar os arquivos, tente abri-los um a um clicando sobre seus ícones no painel da direita. Se o arquivo abrir sem problemas, agradeça a Santo Antonio (os incréus podem pular este pedaço) e siga adiante tentando abrir os demais.
Talvez, para abrir o arquivo, seja preciso instalar o aplicativo que o criou. De qualquer forma, para aproveitar o conteúdo dos arquivos, na maioria dos casos você precisará mesmo destes aplicativos, portanto se você ainda os tem, melhor instalá-los em seu novo micro. Como muito provavelmente são velhos programas DOS, a instalação consistirá apenas em copiar o arquivo executável do programa no disco rígido do novo micro (para executar o programa, basta clicar sobre seu ícone no Windows Explorer – desde que sua versão de Windows suporte programas DOS, como o Windows 98, por exemplo). Na pior das hipóteses, no caso de aplicativos com diversos arquivos, basta copiá-los todos para uma pasta adrede criada para este fim em seu disco rígido.
Conseguiu abrir todos os arquivos? Aleluia. Crie uma pasta em seu disco rígido, dê-lhe um nome alusivo ao conteúdo do disquete e copie para ela todos os arquivos do velho disquete. Repita o procedimento com cada disquete de 5” 1/4 e você acabará com o conteúdo de todos eles copiado em seu disco rígido, uma nova pasta para cada disco. Se não quiser mantê-las para sempre no disco rígido, copie as pastas em um CD-R, um meio (presumivelmente) mais confiável que disquetes de 5” 1/4 usando um gravador de CDs e um programa para “queimar” CDs, como o Nero.
E os arquivos que você não conseguiu abrir?
Bem, estes tiveram seu conteúdo – ou parte dele – corrompido pelas razões que agora você já conhece. Se são arquivos executáveis, estão perdidos. Não há como reconstituir os pontos magnetizados que a baixa coercitividade volatilizou. Mas se são arquivos de dados, especialmente arquivos de texto, ainda há uma esperança de recuperar pelo menos parte deles. Existem programas (como o velho Norton Disk Editor, integrado às Norton Utilities) denominados “editores de discos” que permitem consultar discos magnéticos setor por setor. Cada setor de um disquete de 5” 1/4 armazena 512 bytes, que em um arquivo texto antigo corresponde a 512 caracteres. Arquivos texto muito grandes se estendiam por diversos setores, e talvez apenas alguns deles tenham se corrompido. Sendo assim, um programa editor de discos permite que você inspecione cada setor e recupere trechos de texto contido nos setores ainda legíveis. Dá um trabalho medonho e consome um tempo aparentemente infinito, mas se o conteúdo dos arquivos for realmente importante, talvez valha a pena.
É isso aí. Espero que mestre Dines tenha recuperado seus arquivos. E, se você guarda antigos tesouros em disquetes de 5” 1/4, agora já tem programa para os próximos finais de semana.
Boa sorte

 

B. Piropo