Sítio do Piropo
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Aqueles dentre vocês que assistiram minha palestra no I Ciclo de Palestras do DAF, ano passado, talvez se lembrem de me ouvir mencionar a importância, para um bom profissional, de se exprimir corretamente e usar seu idioma com propriedade - sobretudo nas profissões onde é comum o uso de termos técnicos. E os que costumam freqüentar minha página pessoal, em <www.bpiropo.com.br>, possivelmente já leram um ou outro texto defendendo o emprego correto da língua. Se não, deixe-me explicar resumidamente minha posição sobre o assunto.

Negócio seguinte: falamos português, pois não? Ele é nosso idioma, nosso patrimônio cultural, nossa principal ferramenta de comunicação. Portanto é nosso dever defendê-lo. E uma das maneiras de fazê-lo é evitar o uso indiscriminado de termos como "printar" em vez de "imprimir", "startar" no lugar de "iniciar", "e-mail" no lugar de "correio eletrônico" e, principalmente, de barbaridades como "dounlodear" no lugar de "transferir" ou "baixar".

Há quem ache que isso é exagero de minha parte (já que defendemos o idioma e para falar em português claro: acham que é frescura, mesmo). Alegam que a língua evolui, que essa é uma tendência natural e que, por maior que seja meu empenho, o processo é irreversível e nada pode detê-lo (a estes respondo que, sim, entendo que a língua deve evoluir e acho natural que ela incorpore termos de outros idiomas; me oponho apenas ao exagero, geralmente filho da ignorância - mas isso é outra história).

Mas há também quem ache o contrário: que eu estou certíssimo, que devemos cerrar fileiras em defesa de nosso idioma e que o uso de estrangeirismos não apenas deveria ser evitado: tinha mesmo é que ser proibido.

Parece mentira, eu sei. Mas não é: há mesmo quem pense assim. Digo e provo: um deles é o Deputado Aldo Rabelo, que apresentou ao congresso nacional um projeto de lei nesse sentido. Trata-se do Projeto de Lei 1676 de 1999, que "Dispõe sobre a promoção, a proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa e dá outras providências" (cujo texto integral você pode encontrar na minha página pessoal). Um projeto que propõe, entre outras coisas, o seguinte:

"Art. 4º Todo e qualquer uso de palavra ou expressão em língua estrangeira, ressalvados os casos excepcionados nesta lei e na sua regulamentação, será considerado lesivo ao patrimônio cultural brasileiro, punível na forma da lei.

"Parágrafo único. Para efeito do que dispõe o caput deste artigo, considerar-se-á:

"I- prática abusiva, se a palavra ou expressão em língua estrangeira tiver equivalente em língua portuguesa;

...

"Art. 5º Toda e qualquer palavra ou expressão em língua estrangeira posta em uso no território nacional ou em repartição brasileira no exterior a partir da data da publicação desta lei, ressalvados os casos excepcionados nesta lei e na sua regulamentação, terá que ser substituída por palavra ou expressão equivalente em língua portuguesa no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data de registro da ocorrência".

Projetos de lei são acompanhados de justificativa. O parágrafo inicial da justificativa deste, de uma rara concisão, sintetiza tão bem o "espírito da coisa" que poderia mesmo dispensar restante da justificativa (que, diga-se de passagem, vale a pena ser lida; sugiro uma vista à minha página para consultá-la). Diz ele:

"A História nos ensina que uma das formas de dominação de um povo sobre outro se dá pela imposição da língua. Por quê? Porque é o modo mais eficiente, apesar de geralmente lento, para impor toda uma cultura – seus valores, tradições, costumes, inclusive o modelo socioeconômico e o regime político".

Pois bem: por mais que eu concorde com as razões do deputado, por mais que eu entenda sua revolta com o estupro costumeiramente praticado contra nosso idioma, por mais que eu ache suas intenções as melhores e mais dignas e por mais que eu esteja de acordo com a justificativa, definitivamente não sou a favor do projeto. E digo mais: se fosse deputado (não se preocupem, não há o menor risco de serem tão mal representados: eu jamais seria candidato), certamente votaria contra.

Parece um paradoxo? Pois vou tentar explicar.

Sim, estou de acordo com o fato de que devemos fazer tudo o que está a nosso alcance para defender o idioma. Mas acho que isso não se resolve por lei. Porque se lei resolvesse alguma coisa, não teríamos problemas de meio-ambiente no Brasil. Não acredita? Pois saiba que temos uma das melhores legislações ambientais deste planeta (sei do que estou falando: como engenheiro sanitarista, estou ligado por profissão à defesa do meio-ambiente há quarenta anos e garanto que nosso Código Florestal é um primor; pena que ninguém o respeite...)

Então, nobre deputado, por melhores que sejam suas intenções, não adianta aprovar a lei. Porque o problema só se resolverá quando aqueles que usam o idioma no seu dia-a-dia, os técnicos que escrevem relatórios, os profissionais que têm acesso aos meios de comunicação, os professores, os estudantes, o povo, enfim, estiver conscientizado da necessidade (e não da obrigatoriedade) de preservar seu idioma.

E para conscientizar a população, penso que uma boa campanha através dos meios de comunicação valeria mais que uma lei. Creio que uma postura oficial, por parte do Ministério das Secretarias estaduais e municipais de educação, orientando os professores dos três níveis escolares a evitarem estrangeirismos e explicando a importância disso, valeria mais que dez leis. Acredito que um bom esclarecimento aos estudantes, conscientizando-os de suas responsabilidades na preservação de nosso patrimônio cultural, valeria mais que cem leis. E, sobretudo, estou certo de que, o esforço de cada um dos usuários do idioma em fazer a sua parte, valeria mais que mil leis.

No que me diz respeito, estou fazendo a minha.

Faço-a o tempo todo.

Inclusive aqui e agora.

B.Piropo